Legalização do aborto e o STF
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Legalização do aborto. Este é um tema sempre atual no nosso ordenamento. As divergências entre os que defendem a legalização do aborto e os que apoiam a sua criminalização crescem a cada dia.

Os que defendem a legalização, o fazem apoiados nos direitos da mulher, na igualdade de gênero entre outros argumentos. Os contrários, se apoiam na garantia do direito à vida, constitucionalmente protegido, se referindo especificamente aos direitos do ser em formação.

Recentemente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) deu fôlego novo às discussões em torno da legalização do aborto. E a pergunta que agora paira no ar: Depois desse julgamento realizado pelo STF, o aborto continua sendo crime?

Vamos à análise da questão:

 

Aborto

 

Segundo a doutrina (Bulos, 2014), “Aborto é a interrupção da gravidez antes do seu termo normal, com ou sem expulsão do feto, espontâneo ou provocado”.

A prática do aborto no Brasil constitui crime. Mesmo que seja praticado pela própria gestante ou com o seu consentimento existe previsão legal do crime.

A interrupção da gravidez também acarreta a interrupção da vida. É nessa ideia que o legislador buscou fundamento para tipificação desse ilícito penal.

A criminalização do aborto tem por pressuposto a proteção do direito à vida, consagrado pela Constituição Federal de 88 (CF 88). Tal direito é também reconhecido ao feto ou embrião.

Mas a partir de qual momento surge a vida?

 

Teorias que explicam o surgimento da vida humana

 

São várias as teorias que explicam em que momento se dá o surgimento da vida humana, das quais destaco:

– A primeira teoria entende que a vida se inicia a partir da concepção. Tal teoria se fundamenta no Pacto de São José da Costa Rica, o qual dispõe que o direito à vida deverá ser protegido por lei e, em geral, a partir da concepção (momento em que há a fecundação do óvulo pelo espermatozoide que resulta no ovo ou zigoto).

– A segunda teoria entende que a vida se inicia a partir da nidação (momento em que o ovo ou zigoto se fixa no útero). O fundamento é de que a partir da nidação a vida se torna viável, uma vez que o embrião não pode se desenvolver fora do útero.

– A terceira teoria aborda que a formação do sistema nervoso central do ser humano deve ser levado em conta para aferição do surgimento da vida humana. Isto ocorre por volta do décimo quarto dia após a concepção.

– A quarta teoria entende que a vida humana surge quando o feto passa a ter capacidade de existir fora do ventre materno. O que ocorre entre a vigésima quarta e a vigésima sexta semanas de gestação.

 

O ordenamento brasileiro garante a inviolabilidade do direito à vida, mas não fixa em que momento essa garantia surge, isto é, em que momento há o surgimento da vida.

Alguns autores, utilizando-se analogicamente da lei 9434/97 e de resolução do Conselho Federal de Medicina, aduzem que a proteção jurídica à vida se inicia com a formação da placa neural.

Tal entendimento se baseia na ideia de que o indivíduo é considerado morto quando a atividade cerebral cessa. Assim, a contrário sensu, quando essa atividade se inicia, há o surgimento da vida.

O que justificaria a utilização da chamada “pílula do dia seguinte” sem reflexos no âmbito criminal (esse medicamento, entre outros efeitos, impede a nidação).

O STF reconheceu essa teoria no julgamento da ação de descumprimento de preceito fundamental – ADPF 54/DF, em que se discutia a legalidade do aborto de feto anencéfalo.

Na oportunidade, foi firmado o entendimento de que não constitui crime a interrupção de gravidez de feto anencéfalo, por não haver viabilidade de vida. Pois o feto anencéfalo não possui cérebro ou possibilidade de desenvolver atividade cerebral devido à má formação.

 

Legalização do Aborto pelo Mundo

 

Marcelo Novelino (2013), apresenta como o aborto é tratado em outros países:

– Na Alemanha, existe lei que proíbe o aborto sem, contudo, criminalizar a conduta da gestante, desde que sejam adotadas outras medidas para a proteção do feto. O entendimento do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha que o direito do feto à vida não pode eliminar por completo os direitos fundamentais da gestante.

–  Na França, o aborto é tratado como questão de saúde pública. Aquele país entende que tratando dessa forma, há um menor custo para a sociedade, além de oferecer menos risco que abortos realizados clandestinamente.

– No Reino Unido, com exceção da Irlanda do Norte, o aborto é legal, porém sua prática é possível até a 24.ª semana de gestação.

– Nos Estados Unidos, a Suprema há o reconhecimento do direito da mulher à realização do aborto, mas só no primeiro trimestre da gestação.

 

Vários países pelo mundo permitem a realização do aborto, mas a maioria deles o condicionam a determinados prazos (por exemplo, realizado até o primeiro trimestre da gestação) ou motivado por situações que ofereçam riscos à saúde da gestante, má formação do feto, estupro, entre outros.

 

Legalização do Aborto – Brasil

No Brasil o aborto é crime, tipificado nos arts. 124 a 127 do código penal brasileiro. As exceções a esta regra também estão previstas na legislação penal:

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Muito vem se discutindo acerca do direito de escolha da mulher no momento de realização do aborto. Haveria ou não a possibilidade de respeitar os interesses da mulher com relação à continuidade ou não da gravidez?

No Brasil, não há espaço para legalização do aborto, uma vez que a própria Constituição dispôs em seu art. 5º, caput, acerca do direito à vida. E não há como se negar que o embrião ou o feto, não obstante não ser pessoa pois ainda está em formação, está vivo e deve ter esse direito preservado.

Nem mesmo Emenda Constitucional poderia proceder à legalização do aborto, tendo em vista, que o direito à vida constitui núcleo imutável da Carta Magna, protegida por cláusula pétrea.

 

Decisão do STF que descriminaliza o Aborto

 

As redes sociais trataram de disseminar a ideia de que o STF teria descriminalizado o aborto, ou seja, deixado de considerar o aborto como crime, tendo em vista a sua inconstitucionalidade.

Isso não aconteceu.

O aborto continua sendo crime. Vamos entender o que o STF decidiu:

O caso envolvia integrantes de uma clínica de aborto que teriam realizado o procedimento com o consentimento de uma gestante. Eles tiveram prisão preventiva declarada.

Logo depois o juízo competente concedeu liberdade provisória aos acusados. O MP interpôs recurso dessa decisão que foi acatado pelo Tribunal e confirmado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Os acusados impetraram Habeas Corpus junto ao STF que em decisão final não conheceu do habeas corpus por ser incabível na hipótese (porque foi utilizado como substitutivo de recurso ordinário constitucional). Contudo, resolveu conceder de ofício o habeas corpus sob dois fundamentos:

1 – Não estavam mais presentes os requisitos que legitimariam a prisão preventiva. Os acusados são primários, com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação.

2 – A criminalização do aborto no primeiro trimestre da gestação (que era o caso), viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade.

 

Quanto ao primeiro fundamento invocado pelo Ministro não há muito o que comentar. Trata-se de análise feita à luz do que o art. 312 do Código de Processo Penal estatui.

O segundo ponto argumentativo merece destaque.

A análise foi feito pelo Ministro Luís Roberto Barroso que compõe a 1º Turma do STF. No entendimento dele, que foi acompanhado por outros dois ministros, “é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos artigos 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre”.

Foi concedido Habeas Corpus porque haveria dúvidas, inclusive, sobre a existência de crime.

A decisão do Ministro Barroso baseou-se nos seguintes pilares:

– A criminalização do aborto antes de concluído o primeiro trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade / Violação à autonomia da mulher / Violação do direito à integridade física e psíquica / Violação aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher / Violação à igualdade de gênero / Discriminação social e impacto desproporcional sobre mulheres pobres / Violação ao princípio da proporcionalidade.

 

Mas por que no primeiro trimestre?

Segundo o Ministro, apoiado em alguns estudos e na prática adotada em diversos países como os Estados Unidos, até o final do primeiro trimestre o córtex cerebral ainda não foi totalmente formado.

Essa é a área que permite ao feto desenvolver sentimentos e racionalidade. Ademais, durante esse período não há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno.

 

Considerações Finais

 

Como disse no início desse artigo, humildemente me filio à corrente doutrinária que entende ser IMPOSSÍVEL a legalização do aborto no Brasil, vez que o direito à vida é o bem maior assegurado pela Constituição. E, nesta senda, nem mesmo Emenda Constitucional teria legitimidade para sua violação.

Contudo, reconheço que há situações que acabam por relativizar essa premissa. Alguns já reconhecidos pela legislação (gestação que ameace a vida da gestante, gestação oriunda de estupro) e outros reconhecidos pelos tribunais (gestação de feto anencéfalo). Essas exceções não maculam o mandamento constitucional.

É necessário entender que a decisão do STF foi adotada sem unanimidade por uma turma do STF (o STF é composto por duas turmas) para um caso específico. Destarte, não aplica-se imediatamente ou automaticamente a outros casos, ainda que idênticos.

Ademais, o próprio Ministro esclareceu em seu voto que “ao se afirmar aqui a incompatibilidade da criminalização com a Constituição, não se está a fazer a defesa da disseminação do procedimento”.

Contudo, a referida decisão gera precedente que pode acabar sendo invocado em outros instâncias.

Se estamos diante de mais uma possibilidade de aborto a ser definitivamente reconhecido pelos tribunais, e posteriormente pela legislação, só o tempo dirá.

 

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Leia também:    Direito à vida e à saúde

O voto facultativo e a PEC 61/2016

 

Grande abraço a todos!

 

 

2 COMENTÁRIOS

  1. “É necessário entender que a decisão do STF foi adotada sem unanimidade por uma turma do STF (o STF é composto por duas turmas) para um caso específico. Destarte, não aplica-se imediatamente ou automaticamente a outros casos, ainda que idênticos.”
    – E como fica a teoria da trnascendencia dos motivos determinantes ?

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