Defeitos do negócio jurídico
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Defeitos dos negócios jurídicos. Os negócios jurídicos recebem proteção do nosso ordenamento jurídico, dessa forma, devem cumprir determinados requisitos determinados por lei para que surtam seus legais efeitos. Existindo alguma falha (vícios) nos requisitos do negócio, eles poderão ser invalidados.

Esses vícios são chamados de defeitos do negócio jurídico; se presentes, podem invalidar o negócio firmado.

Como já visto anteriormente, o art. 104 do Código Civil determina os requisitos para a validade do negócio jurídico:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Os arts. 138 a 165 do Código Civil elencam os defeitos que atingem o negócio jurídico. São eles: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores.

Tais defeitos, a exceção do último, atingem um requisito que, apesar de não estar explicitamente determinada no art. 104 do Código Civil, é parte fundamental na formação do negócio: a VONTADE.

Por este motivo são chamados de vícios do consentimento, ou seja, são hipóteses que interferem na manifestação livre da vontade. Não só livre no sentido de voluntariedade para realização do negócio, mas também no sentido de compreensão total acerca das bases em que se firma a relação.

No negócio jurídico, a “vontade” é essencial e deve ser manifestada de maneira clara, livre e espontânea. Existindo algum fato que interfira nessa manifestação de vontade, o negócio pode ser invalidado.

Já a fraude contra credores é chamada de vício social.

Vamos a cada um desses defeitos:

Erro ou Ignorância

O erro ocorre quando a pessoa simplesmente se engana. Ela tem uma errada percepção da realidade. É o típico negócio que a pessoa não realizaria caso soubesse da verdade real.

Imagine a situação em que uma pessoa compra um relógio dourado, achando que fosse de ouro. Observe que ninguém induz a pessoa; no erro ela engana-se sozinha.

O Código Civil trata a “ignorância” da mesma forma que o “erro”, porém, possuem conceitos distintos. No erro a pessoa tem uma falsa percepção da realidade, na “ignorância” ele desconhece a realidade.

A doutrina apresenta um exemplo bem interessante com relação à ignorância. Ex: quando uma pessoa compra um GPS achando que era um celular.

Nem todo erro gera a invalidade do negócio. Para ser anulável o erro deve ser substancial, escusável e real.

Espécies de Erro:

– Erro substancial e erro acidental

+ Erro Substancial

Também chamado de erro essencial, é o que recai sobre circunstâncias e aspectos relevantes do negócio. Há de ser a causa determinante, ou seja, se conhecida a realidade o negócio não seria celebrado. (Gonçalves, 2017, pág. 439)

O erro essencial pode recair sobre vários aspectos do negócio, o art. 139 do Código Civil elenca as suas características:

Art. 139. O erro é substancial quando:

I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

Com base no artigo acima citado, podemos destacar:

  1. Erro sobre a natureza do negócio (error in negotio) – Ocorre quando a pessoa queria realizar uma espécie de negócio e acaba realizando outra. Ex: A pessoa deseja vender, mas escreve doar no contrato;
  2. Erro sobre o objeto principal da declaração (error in corpore) – O engano nesse caso está no próprio objeto da prestação. Ex: Adquire casa achando que está localizado em área valorizada, mas na verdade a casa fica em área desvalorizada;
  3. Erro sobre alguma das qualidades essenciais do objeto principal (error in substantiaou error in qualitate) – Nesta hipótese, o engano recai sobre a qualidade do objeto da prestação. Ex: Compra relógio dourado achando que é de ouro
  4. Erro quanto à identidade ou à qualidade da pessoa a quem se refere a declaração de vontade (error in persona) – Nessa situação o erro está ligado à pessoa com que se negocia. Ex: contrato intuitu personae – a pessoa imagina que está contratando um especialista renomado em determinada área, mas acaba contratando outro profissional com nome parecido
  5. Erro de direito (error juris) – Nesse caso, a pessoa age de maneira ilegal por engano, pois imagina que o negócio está em conformidade com a lei. Exemplo interessante da doutrina é o da pessoa que contrata a importação de uma mercadoria sem saber que é ilegal.

+ Erro Acidental

O erro acidental é aquele ligado às características não essenciais da pessoa ou do objeto. Como não está vinculado às características essenciais (como é o caso do erro substancial) não é capaz de provocar a anulação do negócio.

DINIZ (2019, pág. 512), traz exemplo bem esclarecedor neste sentido.

Se num contrato de compra e venda fica constando que se pretende transferir o domínio da casa da Rua X, nº 60, quando na realidade seu número é 61, não haverá anulação do negócio, por ser fácil identificar que houve erro na identificação da coisa.

– Erro Escusável

É um erro que pode ser percebido por pessoa média, ou seja, pessoa de compreensão mediana. É aquele erro que é plenamente justificável, por exemplo, em razão das circunstâncias do caso.

Diniz (2019), destaca que para alguns doutrinadores, essa escusabilidade do erro foi superada, devendo ser adotado o critério de cognoscibilidade do erro pelo outro contratante.

Por essa vertente de pensamento, não basta que o erro seja escusável a partir da análise do emissor da vontade, é necessário verificar se tal erro poderia ser percebido pelo outro contratante. Tal hipótese acarretaria anulação, pois o outro contratante, ao perceber o erro do emissor de vontade, teria o dever de alertá-lo, com base no princípio da confiança e boa-fé objetiva.

– Erro Real

O erro tem que ser o efetivo causador do prejuízo. Gonçalves (2017) exemplifica: João adquire um veículo ano 2000, imaginando estar adquirindo um veículo ano 2010. Temos aqui um erro real, pois houve grande prejuízo em razão da variação do preço entre veículos com ano de fabricação tão diferentes.

Por outro lado, se João adquire um carro azul escuro, imaginando que estaria adquirindo um carro preto, não estaríamos diante de erro real. A variação de cor não traria prejuízo financeiro. É irrelevante para a definição do preço e, portanto, não causaria a anulação.

– Outros aspectos importantes:

No tocante ao erro há 02 outros conceitos importantes para o operador do direito, dispostos nos arts. 140 e 141: O falso motivo e a transmissão errônea da vontade.

E um negócio não é comum os contratantes demonstrarem a motivação para sua realização. Em um contrato de compra e venda, por exemplo, o que levou o vendedor a entregar o bem (motivação) pode ter sido o grande número de dívida que tem acumulada e a consequente necessidade de angariar dinheiro para suportá-las. Talvez o motivo pode ser o fim de um casamento e a necessidade de partilha dos bens. Há inúmeros motivos.

Todavia, estes motivos não são considerados elementos essenciais ao negócio e, portanto, a ausência deles não anula o negócio. Porém, tais elementos ganham força diante do chamado Falso Motivo. Vejamos o que determina o art. 140 do Código Civil:

Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.

Imagine a situação: João doa um bem para Joaquina, imaginando que ela é a sua filha. Posteriormente, João descobre que ela não é sua filha. Caso a motivação tenha constado do instrumento negocial (expressamente), o negócio é anulável. Do contrário, o negócio permanece válido.

Assim, o falso motivo só gera a anulação do negócio, caso esteja expressamente previsto no negócio.

Noutro norte, temos a transmissão errônea da vontade, que tem seu fundamento no art. 141 do Código Civil:

 Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta.

Neste caso, estamos falando de erro em virtude do meio escolhido para transmissão da vontade. Em negócio firmado entre presentes, a vontade é ali emitida e a possibilidade de compreensão errônea é menor.

Ocorre que, sobretudo nos dias atuais, com a utilização cada vez maior da internet e outros meios para realização de negócio, muitas vezes a mensagem transmitida é compreendida de maneira diversa. Tal ocorre por falhas na transmissão ou mesmo na compreensão do receptor.

A transmissão errônea da vontade, conforme aludido no art. 141, acima citado, também pode gerar a anulação do negócio.

+ Convalescimento do ERRO

O convalescimento do erro tem fundamento no princípio da conservação do negócio jurídico. Ocorre na hipótese prevista no art. 144 do Código Civil:

Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.

Ora, se o contratante se ofereceu a corrigir o erro, executando o contrato em conformidade com a vontade real do outro, não haverá prejuízo a sanar, convalescendo-se o erro.

Importante destacar ainda acerca do chamado interesse negativo. De um lado, assistimos ao direito do contratante que agiu em erro ver o negócio anulado. Contudo, não podemos consentir que o outro contratante, que não tem culpa pelo equívoco da outra parte, arque com os prejuízos advindos de eventual anulação.

Assim, cabe ao contratante em erro assumir os ônus (a responsabilidade) da anulação do negócio e do restabelecimento das partes ao estado anterior, o que a doutrina denomina de interesse negativo.

– Dolo

Dolo é a utilização de meios astuciosos com vistas a enganar ao outro contratante e, por consequência, beneficia ao autor do dolo.

A diferença entre dolo e erro é bastante acentuada. Enquanto no erro, o contratante se engana, no dolo ela é levada a errar (induzida a erro) pelo outro.

Logicamente, também passível de anulação o negócio por dolo, quando este for a sua causa, conforme determina o art. 145 do Código Civil.

Por exemplo: Joaquina ao vender um relógio para João, mesmo sabendo que o relógio é apenas dourado, lhe assegura que tal relógio é de ouro. Vemos aqui uma clara situação de Dolo por parte da Joaquina, que engana João a fim de beneficiar-se com a realização do negócio.

DINIZ (2019, pág. 516) assevera que essa manobra astuciosa pode sugerir o falso ou suprimir o verídico, mediante mentiras ou omissões.

+ Espécies de Dolo

Dolus Bonus – É uma espécie de dolo tolerada, pois facilmente perceptível o super dimensionamento da realidade. É o caso, por exemplo, do prestador de serviços que afirma ser o melhor em sua área de atuação; a padaria que anuncia ter o melhor pão da cidade; entre outros. Tal dolo não induz à anulação do negócio.

Dolus Malus – é o dolo propriamente dito, seria aquela atitude astuciosa com o fim de prejudicar interesse alheio.

Dolo Principal – Configura-se no caso em que o dolo foi a causa determinante da realização do negócio, ou seja, o negócio foi realizado apenas por que um dos contratantes agiu astuciosamente com o fim de enganar o outro. Gera, nitidamente, a anulação do negócio.

Dolo Acidental – É aquele que não deu causa à realização do negócio, mas está presente em alguma das suas condições. De forma que, caso o contratante não tivesse sido enganado, ainda assim teria realizado o negócio (pois não houve dolo principal), mas o teria feito de outra forma, conforme prevê o art. 146 do Código Civil.

Não leva à invalidade do negócio; se resolve em perdas e danos.

Ex: João é enganado por Joaquim e adquire um imóvel por R$ 200.000,00 quando na verdade o imóvel era avaliado em R$ 100.000,00. O negócio não será invalidade, mas cabe a Joaquim indenizar a João o prejuízo causado.

Dolo Positivo (comissivo) e dolo negativo (omissivo) – O dolo pode manifestar-se através de uma ação do contratante (dolo positivo ou comissivo) ou através de uma omissão (dolo negativo ou omissivo).

A respeito do dolo negativo, vejamos o que preleciona o art. 147 do Código Civil:

Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.

O dolo positivo e o negativo acarretam a anulação do negócio quando forem a causa da realização do negócio.

Dolo de Terceiro – Na relação jurídica o dolo pode advir de um terceiro, estranho ao negócio, que atua maliciosamente para que o contratante realize o negócio. Neste caso,  temos duas hipóteses:

> Caso o outro contratante tenha conhecimento da atuação do terceiro, o negócio é anulável

> Caso o outro contratante NÃO tenha conhecimento da atuação do terceiro, o negócio não será anulável por dolo, mas o terceiro responderá por perdas e danos da parte a quem enganou.

Dolo do Representante – Previsto no art. 149 do Código Civil, que tem a seguinte dicção:

Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.

O representante age em nome do representado, função tipicamente exercida, por exemplo, no chamado contrato de mandato (representação convencional) e nas hipóteses em que a lei determina a representação como forma de suprimento da incapacidade (pais são representantes dos filhos menores).

As consequência do dolo do representante dependerão da espécie de representação:

> Se for representação legal – só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve.

> Se for representação convencional – o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.

Dolo Bilateral (recíproco) – Previsto no art. 150 do Código Civil, ocorre nas hipóteses em que ambos os contratantes agem com dolo.

Assim, nenhum deles poderá reclamar indenização ou invalidação do negócio, com fundamento no dolo.

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