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Há pouco tempo deparei-me com uma notícia* muito estranha:

“Grávida do 3º filho anuncia em rede social doação de bebê em MT Diarista disse que não tem condições financeiras de criar outro filho. Conselho Tutelar informou que irá tomar providências no caso.(…)”

No caso, a diarista fez o anúncio em um grupo dedicado à venda de produtos usados.

Situação estarrecedora, mas que acaba passando de maneira até natural aos olhos dos leitores, tendo em vista tantas outras atrocidades que cotidianamente vemos estampadas nos jornais.

A situação desta grávida me leva a trazer duas questões para o debate:

– Há a possibilidade de destituição do poder familiar sobre nascituro?

– Há a possibilidade de adoção do nascituro?

Essas minhas indagações me ocorrem em vista do fato noticiado. Uma mãe que trata o filho concebido como se fosse coisa, passível de ser objeto da prestação de um contrato de doação, talvez não tenha, de fato, condições de assumir o poder familiar.

É lógico que esta doação imaginada pela mãe não possui fundamento jurídico, já que, a única hipótese para a definitiva entrega de uma criança a família, que não a biológica, seria através do instituto da adoção.

E nesse ponto, gostaria de tecer alguns comentário:

A adoção é instituto regulado pelo Código Civil Brasileiro e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo fundamento primordial é o “melhor interesse da criança”. A adoção visa propiciar ao infante a convivência em um lar com o mínimo de estrutura para seu pleno e saudável desenvolvimento físico e mental.

O procedimento para adoção é complexo e envolve diversas fases reguladas por lei, inclusive um estágio de convivência em que a nova família e o adotando, com o acompanhamento psicossocial de equipe especializada, permanecerão por um período juntos, com o objetivo de estreitar laços e verificar a viabilidade daquela adoção.

Nesta seara, muitas pontos controvertidos já foram levantados pela doutrina e pela jurisprudência, como, por exemplo:

– A adoção por casais homoafetivos (casais formados por pessoas do mesmo sexo). Questão pacificada por boa parte da doutrina e jurisprudência que atestam pela possibilidade, visando sempre o bem estar da criança e adolescente;

– A adoção à brasileira – caso em que determinada pessoa simplesmente declara ao registrar a criança ser pai ou mãe, mesmo sabendo não ser. Tal situação fica no anonimato e em muitos casos nunca chega a ser descoberto, apesar de constituir crime.

Há muitas outras situações que envolvem a adoção, mas gostaria de dar enfoque às posições doutrinárias quanto à adoção do nascituro.

Inicialmente, é de bom tom destacar que nascituro é aquele que tem vida intra-uterina, já foi concebido, mas ainda não nasceu.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvaldo (2012, pág. 1047), apresenta de forma bastante lúcida duas posições acerca da adoção do nascituro:

Posição defendida por Silmara Juny A. Chinelato e Almeida:

“Professa a possibilidade de adoção de nascituro ao argumento de que o ordenamento jurídico reconhece a tutela jurídica dos seus interesses. Enfatiza que, a partir da leitura do texto legal, conferindo proteção aos direitos do nascituro, não se pode negar a possibilidade, afinal, “quem afirma direitos e obrigações afirma personalidade, sendo a capacidade de direito e o status atributos da personalidade””

Posição defendida por Maria Berenice Dias

“defende a impossibilidade de adoção do nascituro, afirmando ser necessário para a adoção o cumprimento de um estágio de convivência entre o adotante e o adotado, o que se revela “incompatível em relação a um ser enclausurado no corpo feminino”

Ambos os posicionamentos doutrinários possuem sólidos fundamentos jurídicos, entretanto, na minha singela análise, a conclusão de Silmara Chinelato é aquela que melhor se adequa ao princípio do melhor interesse da criança.

Afinal, quantas mães passam o período de gestação em meio às drogas ou o álcool, muitas vezes vivendo na rua, ou mesmo já têm o poder familiar de outros filhos destituídos por força de medida judicial.

A criança, após o seu nascimento, poderá ser levada a abrigo junto com outras e somente depois de um longo processo poderá ser adotada por alguma família. Será que é necessário aguardar tanto?

Lógico que essa é uma questão bastante polêmica e aberta a várias interpretações.

Corroborando esse entendimento, Flávio Tartuce (2014):

“Além disso, consigne-se que é possível o reconhecimento do nascituro como filho, conforme preceitua especificamente o art. 1.609, parágrafo único, do CC/2002. Ora, se é possível reconhecê-lo como filho, porque não seria possível adotá-lo? Entendo que haveria um contrassenso se a resposta fosse pela impossibilidade de adoção”

A discussão em torno desse tema, certamente não se esgota em um ou outro posicionamento aqui demonstrado.

Grande abraço a todos!

 

 

*Notícia disponível em: http://g1.globo .com/mato-grosso/noticia/2015/03/gravida-do-3-filho-anuncia-em-rede-social-doacao-de-bebe-em-mt.html

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