Direitos da Personalidade (Direito ao Nome e à Integridade Física)
No artigo anterior tratei acerca das questões gerais que envolvem os chamados direitos da personalidade. Discutimos acerca do conceito, características e meios para a proteção.
Recomendo a leitura desse texto, que é bastante esclarecedor, antes de continuar.
Clique aqui para ler o artigo “Direitos da Personalidade”.
Neste artigo vamos tratar acerca de alguns desses direitos da personalidade, destacados entre os artigos 11 a 21 do Código Civil Brasileiro. Importante lembrar a todos que o Código Civil dispõe apenas de alguns direitos da personalidade, ou seja, o rol é apenas exemplificativo.
Os direitos da personalidade, como visto no artigo anterior, tem como características a “não limitação”.
Vejamos, então, alguns desses direitos:
Direito ao Nome
O nome é algo que identifica e acompanha a pessoa por toda sua vida. É através dele que o ser humano é identificado, desde o seio familiar até as relações externas. É um dos grandes pontos distintivos da personalidade humana.
Pereira (2017, pag. 204) assim conceitua:
Elemento designativo do indivíduo e fator de sua identificação na sociedade, o nome integra a personalidade, individualiza a pessoa e indica grosso modo a sua procedência familiar
O art. 16 do Código Civil determina que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
O nome compreende, portanto, o prenome (que identifica o indivíduo dentro do núcleo familiar) e o sobrenome (que identifica a família). O prenome é livremente escolhido pelos pais e o sobrenome é composto por estes com aproveitamento de uma ou mais expressões de seus sobrenomes. (Coelho, 2012, pág. 430)
Essa liberdade de escolha do nome não possibilita aos pais a escolha de nomes que possam de alguma forma embaraçar a vida da sua prole.
O parágrafo único do art. 56 da Lei 6.015/73 assim dispõe:
Art. 56. (…)
Parágrafo único. Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.
Isso significa que, caso os pais apresentem, para registro do filho, um nome que o exponha ao ridículo, o oficial do registro civil pode, simplesmente, negar-lhe o registro. Hipótese em que será necessário acionar o Judiciário.
Regra geral, o nome da pessoa é imutável, porém, essa imutabilidade cede espaço para a possibilidade de sua alteração quando presentes as hipóteses previstas em lei; por exemplo, em situações que exponham o indivíduo ao ridículo ou nomes que contenham erros gráficos.
Dessa forma, pessoa que já teve o nome registrado e sofre constrangimentos pode alterá-lo. Tal alteração pode ser realizada pela via administrativa (diretamente no Cartório), no período de 01 ano após completar a maioridade civil. Passado esse período, apenas judicialmente.
Outro ponto interessante nesse aspecto é a possibilidade de alteração do nome civil, nos casos em que há divergência entre o gênero descrito na certidão de nascimento e o gênero que corresponde à identidade da pessoa.
Cito exemplo presente em julgado do TJMG[i] em que uma pessoa que apresenta Transtorno de Identidade de Gênero, pleiteou judicialmente a alteração do seu nome. O seu nome constante do registro de nascimento se referia ao gênero masculino, em seu pedido pleiteava a alteração para um nome condizente com o gênero feminino. No mérito o Tribunal deu provimento favorável ao seu pedido, possibilitando não só a alteração do nome como também a alteração do gênero descrito no seu registro de nascimento.
Atualmente, por força do Provimento nº 73 de 2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já é possível a alteração de nome e sexo no Registro Civil. Assim, a pessoa transgênero, ao completar 18 anos, poderá buscar a referida alteração administrativamente, sem a necessidade de lançar mão da via judicial.
No nosso ordenamento jurídico existem outras hipóteses permissivas para alteração do nome como, por exemplo, em virtude de adoção, fundamentado no art. 47, §5º da Lei 8.069/90.
A proteção dada ao nome se estende ao pseudônimo, conforme determina o art. 19 do Código Civil. O pseudônimo, de maneira geral, identifica alguém em sua atividade profissional apenas, através de nome diverso do seu. (Farias e Rosenvald, 2017)
Os artigos 17 e 18 do Código Civil estabelecem ainda proteção contra a utilização do nome de outra pessoa para fins comerciais ou com intuito difamatório.
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.
Direito à Integridade Física
Gonçalves (2017) conceitua o direito à integridade física:
O direito à integridade física compreende a proteção jurídica à vida, ao próprio corpo vivo ou morto, quer na sua totalidade, quer em relação a tecidos, órgãos e partes suscetíveis de separação e individualização, quer ainda ao direito de alguém submeter-se ou não a exame e tratamento médico.
Esse direito é bastante abrangente e confere à pessoa o direito à proteção do seu corpo em seu aspecto material, ou seja, protegê-lo contra violações desautorizadas ou não permitidas por lei.
Ao proteger a integridade física, protege-se, por consequência, o bem supremo de toda pessoa, a VIDA.
O art. 13 do Código Civil assim dispõe:
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
A proteção à integridade física é integral e abrange também elementos que nele foram incorporados, como próteses, implantes, entre outros.
Assim, amputações ou outros procedimentos que violem tal integridade, apenas podem ser realizados se houver exigência médica neste sentido.
Outro aspecto desta proteção diz respeito ao tratamento médico de risco.
Cabe à pessoa (titular do direito) a decisão final acerca de procedimento médicos que ofereçam algum tipo de risco, conforme acima mencionado.
Caso você já tenha passado por cirurgia médica, certamente teve que assinar um documento autorizando o procedimento, comumente chamado e Termo de Consentimento. Neste documento, o médico informa ao paciente os riscos do procedimento e o paciente possui o livre arbítrio para assiná-lo.
O Código de Ética Médica (Resolução CFM n. 1931, de 17 de setembro 2009) dispõe em seu art. 22:
É vedado ao médico:
Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Portanto, cabe à pessoa decidir acerca do procedimento, vez que o direito à integridade física lhe assiste. O problema é estabelecer o limite desta liberdade. Pois segundo a resolução acima, em caso de risco iminente de morte, tal consentimento é dispensado, tendo em vista, a direito à vida (maior de todos os bens a serem protegidos).
Na verdade há muitas discussões nos Tribunais neste sentido, sobretudo, com relação a algumas religiões que não permitem determinados procedimentos.
Haveria direito subjetivo da pessoa à negativa de realização de um procedimento médico em virtude de convicção religiosa?
Pergunta difícil de ser respondida, uma vez que temos dois direitos fundamentais em choque (em colisão): o direito à integridade física e o direito à liberdade de crença.
Há um caso interessante neste sentido, julgado[1] pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em que uma pessoa ingressou com ação judicial contra o Estado de Minas Gerais, pleiteando indenização por danos morais. A paciente estava internada em hospital da rede estadual e, mesmo depois de ter informado aos médicos que não queria receber transfusões de sangue por razões de convicção religiosa, os profissionais a submeteram a tal procedimento.
No curso da instrução processual restou comprovado que a paciente estava muito grave e corria risco iminente de morte.
Assim, o Tribunal entendeu que deveria prevalecer o direito à vida, abaixo destaco trecho da referida decisão:
Nessa senda, a meu ver, o direito à liberdade de crença cede ao dever do Estado de proteger o direito à vida, ainda que em face do próprio titular.
(trecho do voto do relator)
Noutra vertente de discussão acerca do direito à integridade física está a possibilidade de doação de órgãos. Amplamente amparado pela legislação pátria.
A lei que trata acerca de transplantes e remoção de órgãos no Brasil, é a Lei 9434/97 e assim explicita em seu art. 9º:
Art. 9o É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)
§ 1º (VETADO)
§ 2º (VETADO)
§ 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.
§ 4º O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada.
§ 5º A doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concretização.
§ 6º O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde.
§ 7º É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto.
§ 8º O auto-transplante depende apenas do consentimento do próprio indivíduo, registrado em seu prontuário médico ou, se ele for juridicamente incapaz, de um de seus pais ou responsáveis legais.
O citado artigo norteia de maneira bastante completa as questões jurídicas que envolvem a doação de órgãos, dando especial atenção aos parágrafos 4º e 5º que estabelece a necessidade de autorização por parte do doador e a possibilidade de sua revogação.
O art. 14 do Código Civil trata acerca da doação de órgãos para depois da morte.
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.
Em todos esses casos a vontade do doador é suprema. Caso a pessoa tenha expressamente declarado que não quer doar seus órgãos depois da morte, a família não possui legitimidade para proceder de maneira diferente.
O direito à integridade física abrange, portanto, o direito ao corpo morto (cadáver).
Nestes sentido, o Enunciado 277 da IV Jornada de Direito Civil realizada pelo Conselho da
Justiça Federal assim estabelece:
O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares; portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/1997 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador.
Postarei em outros textos um pouco mais acerca de alguns dos direitos da personalidade objetivamente delineados no Código Civil.
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[1] Apelação Cível 1.0024.09.566988-3/001 – Relator Des.(a) Wilson Benevides – Data
de Julgamento 30/10/2018
[i] TJMG. Apelação Cível 1.0702.15.039065-7/001 – 0390657-81.2015.8.13.0702