Pessoa Jurídica – Aspectos gerais à luz do Código Civil
O Ser humano é um ser social por natureza. Ele tem a necessidade de associar-se visando ao interesse comum; é assim desde a antiguidade, quando os seres humanos se associavam para a caça, até os dias atuais em que se associam para as mais diversas atividades.
O presente artigo aborda o tema pessoa jurídica, que é de extrema relevância nesse contexto. Afinal, a falta de um regramento específico para esse associativismo traria, por certo, grande insegurança e instabilidade nas relações firmadas por esses entes.
Quem seria o responsável pelas obrigações assumidas por essas instituições? Qual patrimônio responderia por eventual obrigação assumida?
Essas e outras perguntas poderão ser respondidas, a partir da análise mais aprofundada do assunto.
Conceito
Gonçalves (2017, pag. 233) assim conceitua Pessoa Jurídica:
Consiste num conjunto de pessoas ou de bens, dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei, para a consecução de fins comuns. Pode-se afirmar, pois, que pessoas jurídicas são entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações.
A legislação brasileira reconhece a validade dessa integração de pessoas e bens visando a realização de determinada atividade e cria uma pessoa diferente daquelas que a compõe. Essa pessoa criada, que foi resultante da vontade de pessoas naturais ou físicas, é chamada de PESSOA JURÍDICA.
Notem que a ideia central é estabelecer que a Pessoa Jurídica não pode se confundir com as pessoas físicas que a criaram. Se isso acontecer, cai por terra a principal finalidade dessa instituição que é proteger o patrimônio dessa instituição e as relações que são firmadas com outras pessoas.
Ex: João, Maria e José resolveram criar uma associação para proteção aos animais. Essa associação para realizar suas atividades terá que contratar veterinário e outros funcionários para cuidar dos animais. Terá ainda que comprar ração, alugar imóvel, etc. são muitas as relações que associação terá que estabelecer. Nesse caso, se algum desses contratos não for pago na forma pactuada, apenas o patrimônio da Associação será afetado. João, Maria e José são pessoas físicas que compõem a associação, mas o patrimônio delas não é afetado pelas obrigações assumidas por esta Pessoa Jurídica.
Desta forma, é possível afirmar que as Pessoas Jurídicas possuem personalidade jurídica, pois são sujeitos de direitos e deveres na ordem civil. Mas não se confundem com as pessoas físicas que as criaram.
Natureza Jurídica
Teorias que explicam a natureza jurídica da Pessoa Jurídica:(Gonçalves, 2017)
1 – Negativistas
Os negativistas não concebem a existência de uma Pessoa (ente) diferente da Pessoa Física, não reconhecem, portanto, a existência da Pessoa Jurídica, enquanto ente autônomo e independente.
2 – Afirmativistas
Reconhece a existência da Pessoa Jurídica dotada de personalidade própria e buscam explicar o fenômeno:
– Teoria da Ficção legal (Savigny) – a Pessoa Jurídica ser uma criação artificial da lei, uma criação utilizada para atribuir direitos e obrigações a pessoas físicas.
– Teoria da Ficção doutrinária (Vareilles-Sommières) – a pessoa jurídica não tem existência real, mas apenas intelectual.
– Teoria da Realidade
Os adeptos dessa teoria destacam a existência da pessoa jurídica. Afirmam que são realidades vivas e não mera abstração. Abaixo as várias concepções existentes dentro dessa linha de pensamento:
– Teoria da realidade objetiva ou orgânica – Sustenta que a pessoa jurídica é uma realidade sociológica, ser com vida própria, que nasce por imposição das forças sociais.
– Teoria da realidade jurídica ou institucionalista – Considera as pessoas jurídicas como organizações sociais destinadas a um serviço ou ofício, e por isso personificadas.
– Teoria da realidade técnica – A personificação dos grupos sociais é expediente de ordem técnica, a forma encontrada pelo direito para reconhecer a existência de grupos de indivíduos, que se unem na busca de fins determinados. A personificação é atribuída a grupos em que a lei reconhece vontade e objetivos próprios.
O Código Civil vigente, em seu art. 45, segundo a doutrina, adota a Teoria da Realidade Técnica. As teorias da realidade objetiva e da realidade jurídica limitariam a abrangência das Pessoas Jurídicas.
Personalidade da Pessoa Jurídica
A existência da Pessoa Jurídica, conforme determina o art. 45 do Código Civil, começa com o registro do ato constitutivo no órgão competente.
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
A partir dessa inscrição, a Pessoa Jurídica adquire personalidade e passa a ser sujeito de direito e deveres na ordem civil de maneira autônoma.
Pela análise do artigo destacado acima, o ato constitutivo é requisito para criação da pessoa jurídica; o ato constitutivo é fruto da vontade humana daqueles que desejam criá-la (affectio societatis). Assim, a vontade humana é o requisito subjetivo, enquanto o ato constitutivo em si (Estatuto Social, Contrato Social ou outra forma determinada por lei) é o requisito formal.
Classificação da Pessoa Jurídica:
Uma das principais classificações da Pessoa Jurídica é aquela que leva em conta o critério da sua função. Por este critério podem classificá-las em: Pessoas Jurídicas de Direito Público e Pessoas Jurídicas de Direito Privado.
Tal classificação é determinada no art. 40 do Código Civil:
Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.
As pessoas jurídicas de direito público visam atender ao interesse público, enquanto as de direito privado são criadas pela vontade de particulares, e buscam atender seus interesses. (Tartuce, 2017, pág. 113)
Pessoas Jurídicas de Direito Público
Dividem-se em:
– Pessoas Jurídicas de Direito Público Externo
O art. 42 do Código Civil determina que as pessoas jurídicas de direito público externo são os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público. Ex: ONU, os demais países, entre outros.
– Pessoas Jurídicas de Direito Público Interno
O art. 41 do Código Civil determina que as pessoas jurídicas de direito público interno são: A União; os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; os Municípios; as autarquias, inclusive as associações públicas; e as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Por não constituir objeto específico do presente artigo, que trata das pessoas jurídicas regidas pelo Direito Civil, não aprofundaremos nesse ponto.
Para conhecer a estrutura e organização desses entes de direito público interno, oriento a leitura do artigo: Organização Administrativa do meu blog, basta clicar aqui.
Pessoas Jurídicas de Direito Privado
O art. 44 do Código Civil enumera essas pessoas jurídicas:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações.
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.
Abaixo, um breve resumo esquemático dessas espécies de pessoas jurídicas:
* Galiano e Pamplona Filho, 2018
** Coelho, 2012
Não obstante a importância do estudo de todas as espécies de Pessoas Jurídicas de Direito Privado, traçarei abaixo breves comentários acerca das Associações e Fundações, figuras destacadas pelo Código Civil vigente.
Associações
As associações são formadas pela vontade em comum de pessoas que buscam a execução de determinada finalidade NÃO ECONÔMICA. O destaque ao termo “não econômica” é necessário, pois, havendo esse interesse, a pessoa jurídica deixa de assumir a forma de associação e passa a ter natureza de SOCIEDADE.
A associação pode ter como finalidade, por exemplo, a proteção e defesa dos animais, a representação dos interesses dos moradores de determinado bairro, a defesa dos interesses de determinada classe de pessoas. Enfim, toda e qualquer finalidade LÍCITA e não econômica é possível às associações.
Como dito anteriormente, o ato constitutivo da Associação é o ESTATUTO SOCIAL, que determinará os regramentos da instituição. O art. 54 do Código Civil elenca o conteúdo mínimo desse estatuto:
Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá:
I – a denominação, os fins e a sede da associação;
II – os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;
III – os direitos e deveres dos associados;
IV – as fontes de recursos para sua manutenção;
V – o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos;
V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos;
VI – as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.
VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas;
O Estatuto Social funcionará como se fosse uma lei interna da Associação. Todos os associados devem respeito e observância a ele. É possível até mesmo a propositura de ação judicial para se fazer cumprir determinada disposição estatutária.
O estatuto confere segurança aos membros da associação e regula suas atividades internas e externas.
Os arts. 53 a 61 do Código Civil (oriento a leitura) trazem a normatização básica para as Associações, e destaca de maneira bastante clara a função e importância do estatuto social.
Fundações
Diferentemente das associações, as fundações não são formadas pela união de pessoas para determinados fins, mas sim, pela universalidade de bens, personalizadas pela ordem jurídica, em consideração a um fim estipulado pelo fundador.
Em outras palavras, a fundação nasce da entrega de determinados bens para sua criação. Nasce da vontade de uma pessoa que doa parte do seu patrimônio para constituição da Fundação.
Ex: Edmar é um jogador de futebol e deseja criar uma entidade para atender crianças carentes de um bairro da sua cidade natal. Resolve então doar parte do seu patrimônio para realização dessa finalidade. Esse patrimônio destacado será a base para criação de uma Fundação.
As fundações costumam utilizar o termo “Instituto”.
Os passos para a criação de uma fundação são os seguintes:
– A dotação de bens pode ser feito por ato “inter vivos” (escritura pública) ou “causa mortis” (testamento). O instituidor nesse ato reserva bens necessários à criação da Fundação.
Nesse ato ele deve determinar a finalidade da Fundação e até mesmo a maneira como será administrada. O parágrafo único do art. 62 elenca as finalidades que a Fundação deve perseguir:
Art. 62. (…)
Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins de:
I – assistência social;
II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III – educação;
IV – saúde;
V – segurança alimentar e nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;
VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos;
VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos;
IX – atividades religiosas;
Se os bens destacados forem insuficientes para constituir a fundação, os bens a ela destinados serão, se de outro modo não dispuser o instituidor, incorporados em outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante.
– Elaboração do Estatuto pode ser feita de maneira direta (pelo próprio instituidor) ou fiduciária (quando o instituidor determina pessoa de sua confiança para elaboração). Elaborado o Estatuto, ele será apresentado para análise e aprovação.
Caso o estatuto não seja elaborado no prazo determinado pelo instituidor ou em 180 dias (caso não tenha sido estipulado prazo específico), caberá ao Ministério Público o ônus de confeccioná-lo e apresentá-lo para aprovação.
– A Aprovação do Estatuto caberá ao Ministério Público. Nos casos em que o próprio Ministério Público elabora o estatuto, a aprovação caberá ao juízo competente.
– Após aprovação o Registro será feito no cartório competente.
Eventuais alterações no Estatuto devem também ser aprovadas pelo Ministério Público, na forma do art. 67 do Código Civil.
O art. 69 do Código Civil dispõe acerca da extinção da Fundação.
Extinção das Pessoas Jurídicas
A dissolução da Pessoa Jurídica poderá ser feita pela via:
– Convencional
Por deliberação (pela vontade) dos membros que compõem a pessoa jurídica. Importante lembrar, que essa deliberação deve observar o que determina o ato constitutivo.
– Legal
Em razão de motivo determinante previsto na legislação. Ex: Falência.
– Administrativa
Regra geral, as pessoas jurídicas não necessitam de autorização do Poder Público para ser criadas. Elas devem apenas observar os requisitos estabelecidos em lei. Porém, excepcionalmente, há certas atividades que dependem de autorização do ente público.
Para estas pessoas jurídicas, haverá dissolução na hipótese em que a autorização administrativa é cassada, seja por infração a disposição de ordem pública ou prática de atos contrários aos fins declarados no seu estatuto, seja por se tornar ilícita, impossível ou inútil a sua finalidade.
– Judicial
Ocorrerá quando se configurar alguma das hipóteses para dissolução previstas em lei ou no estatuto, mas ainda assim, a pessoa jurídica continua a exercer suas atividades normalmente. Nesse caso, a via judicial deverá ser utilizada para extinção da pessoa jurídica.
Desconsideração da Personalidade Jurídica
Uma das regras claras relacionadas às Pessoas Jurídicas é que o seu patrimônio não se mistura com o patrimônio dos sócios, ou seja, as obrigações assumidas pela Pessoa Jurídica devem ser suportadas pelo seu próprio patrimônio.
Não é possível invadir patrimônio dos sócios nos casos em que a Pessoa Jurídica não consegue arcar com seus compromissos.
Esta é a regra.
Contudo, existem hipóteses em que é possível buscar o patrimônio dos sócios para quitar obrigações da pessoa jurídica. O art. 50 do Código Civil disciplina essa desconsideração.
Esse artigo foi alterado recentemente pela Lei 13.874/2019, que tratou de especificar e aclarar os contornos da desconsideração, nos seguintes termos:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Presentes os requisitos, é possível pleitear judicialmente a desconsideração.
Vamos a um exemplo:
A Empresa do qual Joaquim é sócio contrata empréstimo com banco. Mas Joaquim utiliza o dinheiro para adquirir patrimônio para si, ao invés de utilizar nas finalidades da empresa. A empresa não pagou ao banco o referido empréstimo. O Banco resolve entrar com ação judicial para receber seu crédito, mas quando procura bens da empresa para penhorar, verifica que não há nada em seu nome. O Banco pode, em tese, alegar que houve confusão patrimonial e assim, solicitar ao juízo a desconsideração da personalidade jurídica. Caso o juiz conceda, o patrimônio do sócio poderá responder pelas obrigações da Empresa.
Há ainda a possibilidade da desconsideração inversa. Hipótese em que é possível buscar os bens da pessoa jurídica para cumprir obrigações da pessoa física (sócio).
Desconsideração x Despersonificação
Não confunda os dois institutos. Na desconsideração, a empresa continua existindo, sua personalidade é apenas desconsiderada com a finalidade de alcançar patrimônio do sócio para situação específica.
Já na despersonificação a empresa deixa de existir, ela perde sua personalidade. Estudamos nesse artigo as hipóteses de dissolução da Pessoa Jurídica, pois bem, com a dissolução ocorre a despersonificação da empresa.
Em outras palavras, com a extinção da empresa ocorre a sua despersonificação (perda da personalidade).
Entes Despersonalizados
São agrupamentos de pessoas ou bens, às quais a lei não reconhece personalidade jurídica, mas que podem, nas palavras de DINIZ, agir ativa e passivamente; podem figurar como sujeitos em demandas judiciais, mediante representação.
São entes que, apesar do nosso ordenamento não reconhecer-lhes personalidade, podem atuar na ordem jurídica visando proteger os seus interesses.
Exemplos: Massa falida, espólio, o condomínio, entre outros.
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