Interdição (novo CPC)

Interdição

O processo de interdição tem por finalidade declarar a incapacidade, absoluta ou relativa, daquele que está privado do discernimento necessário para praticar sozinho os atos da vida social, ou exprimir a sua vontade. (Gonçalves, 2017, p. 947)

Neste artigo apresento a vocês o procedimento para decretação da interdição, atualizado de acordo com o novo CPC.

Porém, antes de adentrarmos neste assunto específico, é necessário traçarmos algumas linhas acerca da capacidade civil.

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Capacidade Civil (Interdição)

 

Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Essa é a disposição contida no art. 1º do Código Civil. O que deixa bem claro que todas aquelas pessoas que nascem com vida são capazes. Não vamos adentrar neste momento nas teorias civilistas que explicam o momento em que se adquire a personalidade, por não ser objeto do presente trabalho.

Ocorre que, apesar dessa capacidade anunciada no artigo acima citado, nem todas as pessoas possuem capacidade para exercer pessoalmente os atos da vida. Assim, apesar de possuírem capacidade não poderiam atuar pessoalmente para o seu exercício.

Aqui, convém fazermos uma observação: a capacidade de direito é aquela inscrita no art. 1º do Código Civil, já a capacidade de fato ou de exercício é a que possibilita exercer pessoalmente os atos da vida civil.

Toda pessoa que possui capacidade de fato também possui capacidade de direito, mas, nem toda pessoa que possui capacidade de direito possui capacidade de fato.

A pessoa que possui capacidade de direito e capacidade de fato, possui a chamada capacidade plena.

Os incapazes descritos nos arts. 3º e 4º do Código Civil (incapacidade absoluta e relativa) são aquelas pessoas que não possuem a capacidade de fato.

Nestes casos, o próprio Código Civil trata acerca dos instrumentos para suprimento dessa incapacidade.

Já que estamos falando acerca da capacidade para exercer pessoalmente os atos da vida civil, é importante lembrar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), alterou significativamente essa matéria no Código Civil.

 

Incapacidade Relativa e Absoluta

(Interdição)

Pela redação original do Código Civil, eram absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

– os menores de dezesseis anos;

– os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

– os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

A nova redação desse artigo estabelecido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência destaca que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 (dezesseis) anos.

Desta forma, a incapacidade absoluta alcança como regra apenas os menores de 16 anos, os demais, a partir da vigência do referido estatuto passam a ser relativamente incapazes.

A nova redação do art. 4º do Código Civil, assim dispõe:

 

Art. 4º – São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

IV – os pródigos.

(Interdição)

A primeira vista pode parecer que não houve grande modificação no Código Civil, mas o Estatuto da Pessoa com Deficiência corrigiu uma grande injustiça que a legislação estabelecia como regra.

Pela redação original, o Código Civil relegava à condição de absolutamente incapaz, por exemplo, as pessoas com deficiência mental, sem ao menos verificar se a sua deficiência é tão grave que a impede de tomar qualquer tipo de decisão.

Os ébrios habituais e os viciados em tóxico; aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; e os pródigos devem passar por procedimento judicial para decretação de sua interdição com a consequente nomeação de um curador. Interdição

 

Procedimento da Interdição

 

Inicialmente, destaco que o procedimento para decretação da interdição está previsto nos arts. 747 a 758 do CPC, entre os procedimentos especiais de jurisdição voluntária.

Faço essa observação inicial, já que alguns doutrinadores entendem que esse procedimento deixou de existir após a sanção do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015).

No caso da interdição o novo CPC tratou de revogar as disposições do Código Civil que tratavam acerca do seu procedimento diferentemente de outras passagens em que o novo CPC aproveitou as disposições procedimentais dispostas no Código Civil, como os testamentos.

Assim, na seara da interdição e do seu procedimento convivemos com 03 legislações muito importantes: o Código Civil Brasileiro (CCB), o Código de Processo Civil (CPC) e a Lei 13.146/2015, que é o denominado Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD).

Essas 03 normas devem ser analisadas e ponderadas no momento de verificação da incapacidade e do procedimento para interdição.

Saliente-se que a interdição deve ser tido como um procedimento extraordinário e temporário.

Feito esse comentário inicial, vamos ao procedimento:Interdição

 

Legitimidade para propositura

 

O CPC determina em seu art. 747 as pessoas legitimadas a promover a interdição, são elas:

– Cônjuge ou companheiro

– Os parentes ou tutores

– O representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando

– Ministério Público

Apesar de o art. 747 colocar o Ministério Público entre os legitimados para propositura da interdição, a sua atuação se dará apenas em situações excepcionais.Interdição

O art. 748 do CPC explicita que o Ministério Público terá legitimidade apenas nos casos de doença mental grave, desde que o cônjuge ou companheiro, os parentes ou tutores ou o representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando não existam ou não promoverem a interdição; ou, se existindo, forem incapazes.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) ao alterar a redação do art. 1.768 do Código Civil acabou inserindo entre os legitimados para propositura da interdição, o próprio interditando (auto interdição).

Esse art. 1.768 do Código Civil, apesar de ter sua redação alterada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, já havia sido revogado pelo CPC.

Explico melhor: Ocorre que o referido Estatuto foi sancionado em data posterior à sanção do CPC. Assim, o Estatuto acabou por alterar a redação de artigos que já se achavam revogados pelo CPC.

Essa incoerência entre as legislações se deve ao fato de que os projeto tramitaram no mesmo período, mas não foram compatibilizados. Como o CPC foi sancionado primeiro, acabou por revogar artigos que mais tarde teriam a redação modificada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Situação complexa e que demanda esforço interpretativo para na prática verificar qual a disposição aplicar ao caso concreto.

Boa parte da doutrina entende que, nesse caso da legitimidade, é possível aceitar na prática a chamada auto interdição, ou seja, a interdição proposta pelo próprio interditando.

 

Petição Inicial Interdição

 

A petição inicial da ação de interdição, como outra qualquer, deverá completar os requisitos do art. 319 do CPC. Além disso, deve observar o que dispõe o art. 749 do CPC.

Deve o autor nessa petição especificar os fatos que demonstram a incapacidade do interditando para administrar seus bens e, se for o caso, para praticar atos da vida civil, bem como o momento em que a incapacidade se revelou.

Essa informação tem dupla finalidade: servir de dado para o exame pericial e servir como parâmetro para avaliar a eficácia probatória da sentença que decreta a interdição, examinada mais à frente. (Theodoro Júnior, 2016, p. 669)

Além disso, o autor deverá apresentar laudo médico do interditando junto à petição inicial ou justificar a impossibilidade de apresentá-lo.

Tudo certo com a petição inicial vamos ao próximo ato processual.

 

Citação

 Interdição

O interditando será citado para comparecer à entrevista, pois nesta espécie procedimental, a impugnação (defesa) do interditando somente ocorrerá após a realização dessa entrevista.

É bom lembrar que a citação no procedimento de interdição não poderá ser feita pelo correio, devendo ser realizada pessoalmente, através do oficial de justiça. É o que determina o art. 247, I do CPC.

Art. 247.  A citação será feita pelo correio para qualquer comarca do país, exceto:

I – nas ações de estado, observado o disposto no art. 695, § 3o;

 

Interessante nesse ponto, é que na redação inicial do projeto do CPC, emanado da Câmara dos Deputados, o art. 247, previa em seu inciso I referência direta à ação de interdição, o que foi posteriormente alterado com a ampliação das hipóteses. (Bueno, 2017).

Ao realizar a citação, o oficial de justiça deverá atentar-se ao que dispõe o art. 245 do CPC.

 

Entrevista Interdição

 

A entrevista ao interditando será feita pelo juiz. Caso o interditando não possa se deslocar até o fórum para realização da entrevista, o juiz deverá entrevista-lo no local onde estiver.

O art. 751, §2º do CPC, faculta a presença de especialista para acompanhar a entrevista. Contudo, o art. 1.771 do Código Civil, com redação alterada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), estabelece a obrigatoriedade de acompanhamento da entrevista por equipe multidisciplinar.

Esse art. 1.771 do Código Civil, apesar de ter sua redação alterada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, já havia sido revogado pelo CPC. (No tópico “legitimidade” já expliquei a causa dessa incompatibilidade entre as legislações)

Na prática, o CPC tem imperado. Normalmente o juiz não é acompanhado por especialista na entrevista, uma vez que a lei faculta a presença desse profissional. Ademais, a perícia (que é ato obrigatório nesse procedimento) acaba por abarcar opinião de especialista quanto ao interditando.

Nessa entrevista o juiz questionará o interditando acerca de sua vida, negócios, bens, vontades, preferências e laços familiares e afetivos e sobre o que mais lhe parecer necessário para convencimento quanto à sua capacidade para praticar atos da vida civil, devendo ser reduzidas a termo as perguntas e respostas.(art. 751 do CPC)

 

Impugnação

 

Realizada a entrevista, o interditando terá o prazo de 15 dias para impugnar o pedido de interdição. Neste momento ele poderá constituir advogado para representar os seus interesses na demanda.

Caso não constitua advogado, o juiz nomeará um curador especial para apresentar a sua impugnação. Nesse caso, o seu cônjuge, companheiro ou qualquer parente sucessível poderá intervir como assistente.

O Ministério Público intervirá no procedimento como fiscal da ordem jurídica, conforme determina o art. 752, §1º do CPC.

 

Perícia

 

O art. 753 do CPC determina que decorrido o prazo para impugnação, o juiz determinará a produção de prova pericial. Em que pese, algumas doutrinas entenderem que tal procedimento não é obrigatório, o CPC é bem explícito ao dispor sobre a obrigatoriedade de sua realização.

Por outro lado, no processo de interdição, vigora o princípio do livre convencimento motivado. Por isso, o juiz pode até mesmo afastar as conclusões do perito, desde que existam nos autos outros elementos de convicção. (Gonçalves, 2017, p. 950)

Destarte, a PERÍCIA É OBRIGATÓRIA, mas o juiz não está a ela adstrita, podendo, inclusive determinar outras provas que entender necessárias para formar o seu convencimento.

A audiência de instrução e julgamento terá o mesmo procedimento que nos demais tipos de processo. (Gonçalves, 2017)

 

Sentença

 

Findo o procedimento o juiz proferirá sentença.

Na sentença será nomeado curador, que poderá ser a mesma pessoa que propôs a ação, bem como os limites da curatela. É o que parte da doutrina chama de personalização da curatela (Humberto Theodoro, 2016) ou seja, o juiz vai determinar quais atos serão afetados pela interdição.

Segundo o art. 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. Porém, no CPC ainda existe previsão de interdição total.

Ainda segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência, em seu art. 6º, a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa para determinados atos como casar-se e constituir união estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Na sentença, serão consideradas as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências.

A curatela deve ser atribuída a quem melhor possa atender aos interesses do curatelado e, no caso, de existir menor sob a responsabilidade do interdito, isso deve ser levado em conta no momento de nomeação do curador.

Outro ponto marcante da sentença é que ela possui efeitos imediatos, desta forma, ainda que algum interessado interponha recurso, a sentença de interdição será inscrita no registro de pessoas naturais e imediatamente publicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 6 (seis) meses, na imprensa local, 1 (uma) vez, e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição, os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito poderá praticar autonomamente.

 

Sentença Declaratória ou Constitutiva?

 

A discussão em torno da classificação da sentença que decreta a interdição é grande. Parte da doutrina entende que é declaratória e outra parte entende que é constitutiva.

1 – Declaratória – Para os defensores dessa ideia, a sentença é declaratória pois se limita a declarar uma incapacidade que já existia (Gonçalves, 2017). Após a sentença deixaria de haver dúvidas quanto à incapacidade do interdito. Via de regra, os efeitos de uma sentença declaratória é ex tunc, ou seja, retroagem no tempo.

 

2 – Constitutiva – Para os defensores dessa corrente, a sentença de interdição tem natureza constitutiva, pois não se limita a declarar uma incapacidade preexistente, mas também a constituir uma nova situação jurídica de sujeição do interdito à curatela. (Theodoro Júnior, 2016, p. 674).

Como regra, os efeitos de uma sentença constitutiva são ex nunc, ou seja, não retroagem no tempo.

 

Considerando que a sentença que decreta a interdição seja declaratória: Os negócios anteriormente firmados pelo interdito são nulos ou anuláveis já que não possuía capacidade para realizá-los pessoalmente.

Por outro lado, considerando que a sentença que decreta a interdição seja constitutiva: Os negócios anteriormente firmados pelo interdito são válidos já que possuía capacidade para realizá-los pessoalmente.

Apesar da distinção entre declaratória e constitutiva, essa regra geral não se verifica na prática. Independentemente da posição que se adote:

Os negócios firmados pelo interdito após a decretação da interdição são nulos

aqueles ATOS realizados antes da decretação da interdição são anuláveis (o que relativiza a regra geral das sentenças constitutivas e declaratórias).

Para parte da doutrina, é necessário provar em ação própria que a pessoa quando firmou esse contrato já se encontrava em situação que lhe impedia de ter o necessário discernimento acerca da situação.

Para outros, é necessário provar que o terceiro que contratou com o interdito (antes da decretação de interdição), o fez por má-fé, aproveitando-se daquela situação.

 

Recurso

 

É cabível recurso em face da sentença que decreta a interdição. O recurso cabível é a Apelação, porém, ela será recebida pelo Tribunal apenas em seu efeito devolutivo, conforme art. 1.012, §1º, VI do CPC.

Como dito anteriormente, a sentença, nesse caso, é imediatamente executada.

 

Levantamento da Interdição:

 

Cessada a causa que deu fundamento à interdição, ela poderá ser levantada. O levantamento da interdição pode ser proposto pelo próprio interdito.

O curador, de acordo com o art. 758 do CPC, deve buscar tratamento e apoio apropriados à conquista da autonomia pelo interdito. Portanto, ele também poderá propor o levantamento da interdição.

Além desses, o Ministério Público possui legitimidade para solicitar o levantamento da interdição da mesma forma.

Esse levantamento poderá ser total, no caso de o interdito estar pronto e capaz para exercer todos os atos da vida civil, e pode ser também parcial, no caso em que o interdito tenha recuperado o discernimento para alguns atos.

O juiz nomeará perito ou equipe multidisciplinar para proceder ao exame do interdito e designará audiência de instrução e julgamento após a apresentação do laudo, conforme art. 756 §2º do CPC.

Acolhido o pedido, o juiz decretará o levantamento da interdição e determinará a publicação da sentença, após o trânsito em julgado, da mesma forma que a sentença que decretou a interdição, ou, não sendo possível, na imprensa local e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, seguindo-se a averbação no registro de pessoas naturais – art. 756, §3º do CPC.

 

Observações Importantes:

 

– 1-  O art. 1.775-A do Código Civil (artigo incluído pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência) inovou ao prever a possibilidade da chamada “curatela compartilhada”.

Essa é a hipótese em que o juiz determina que a curatela seja compartilhada a mais de uma pessoa.

 

– 2 – A incapacidade Civil não se confunde com a imputabilidade penal, que deve ser aferida no processo penal.

 

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Grande abraço a todos….

 

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