Bandido bom é bandido morto…

Antes de emitir qualquer opinião acerca do título desse artigo, por favor, leia até o final.

Sei que muitos devem estar concordando com a frase em destaque e certamente possuem um milhão de argumentos para defenderem esta afirmativa tão nefasta.

Em novembro de 2016 o portal de notícias G1 divulgou pesquisa realizada pelo Instituto DATAFOLHA a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A referida pesquisa analisou o índice de concordância dos brasileiros com relação à afirmação: Bandido bom é bandido morto.

A maioria dos brasileiros (57%) defende a afirmação. O índice de concordância sobe para 62% em municípios com menos de 50 mil habitantes, segundo o levantamento. No comparativo com 2015, quando a mesma pesquisa foi feita, a aceitação da frase aumentou. Naquele ano 50% da população se dizia a favor da morte de criminosos.

Pois bem, diante deste quadro e das recentes rebeliões que abalaram todo o país, quando mais de 60 detentos foram mortos, apenas no Amazonas, resolvi escrever algumas linhas sobre o assunto.

Certamente meus alunos e ex-alunos devem estar surpresos por me ver escrevendo na área de direito penal, já que costumo dedicar-me, principalmente, às áreas de direito constitucional, administrativo e previdenciário.

Na verdade, o pano de fundo da discussão que envolve a afirmação “bandido bom é bandido morto” possui natureza constitucional, e é nessa seara que pretendo desenrolar essas próximas linhas.

Mas, antes quero dar a minha opinião. Eu concordo com a frase “bandido bom é bandido morto” e mais, penso que o Estado, com todo o seu aparato, deve envidar todos os esforços neste sentido.

Por favor, não pare a leitura por aqui, vamos à minha justificativa:

 

A Pena e seus aspectos legais

 

Antes de adentrar especificamente na execução da pena, é importante tecer alguns comentários acerca do conceito de pena. Segundo Estefan (2012):

É a retribuição imposta pelo Estado em razão da prática de um ilícito penal e consiste na privação ou restrição de bens jurídicos determinada pela lei, cuja finalidade é a readaptação do condenado ao convívio social e a prevenção em relação à prática de novas infrações penais.

A partir deste conceito é possível perceber que nem todo criminoso será realmente preso.

Assim ocorre porque a legislação brasileira prevê várias espécies de pena. Quanto maior a gravidade do delito, maior e mais gravosa será a pena aplicada.

Existem, basicamente, 05 tipos de penas: (Estefan, 2012)

Perda de bens – ocorre quando pertences do condenado são revertidos ao Fundo Penitenciário Nacional.

Multa – Afeta o patrimônio do acusado. É o pagamento de valores determinados na sentença.

Prestação social alternativa

Suspensão ou interdição de direitos – pode consistir, por exemplo, na proibição do exercício de profissão ou de função pública etc.

Privação ou restrição de liberdade – Afeta a liberdade (direito de ir e vir)

 

Finalidades da pena

Dentre as várias teorias que explicam as finalidades da pena. Alguns doutrinadores, com base no art. 59 (parte final) do Código Penal, entendem que o Brasil adota a teoria denominada Mista (também chamada em algumas doutrinas de Eclética, conciliatória ou dialética).

Consoante esta teoria a pena tem duas finalidades: punir e prevenir. Destarte, a pena no Brasil teria tem uma TRÍPLICE finalidade: retribuição (castigar, punir) / prevenção geral (que sirva de exemplo para as pessoas em geral) / prevenção especial (que o condenado não volte a delinquir).

 

Fundamentos da Pena

Segundo, Estefan (2012), a aplicação da pena ao condenado possui diversos fundamentos, dos quais destaco:

  1. Preventivo: A pena intimida o cidadão comum. Há um receio de cometimento do crime, ao menos em tese, por conta da punição prevista. Quando o condenado cumpre sua pena, a ideia é a de que ele não volte a delinquir para não passar novamente por aquilo.
  2. Retributivo: A pena é também um castigo, proporcional ao ato que foi cometido.
  3. Reparatório: consiste em compensar a vítima ou seus parentes pelas consequências advindas da prática do ilícito penal.
  4. Readaptação: A pena tem a função ainda de propiciar ao condenado meios para sua recuperação. Meios para sua reintegração social.

Neste artigo vou me ater às penas privativas de liberdade (prisão)

Verificados esses conceitos básico, já é possível concluir que a grande maioria dos presídios não possuem estrutura capaz de realizar todos os fundamentos previstos para a pena. Lembrando que estes fundamentos estão previstos na própria Lei de Execuções Penais (LEP).

O art. 1º da Lei 7210/84 (Lei de Execuções Penais – LEP), assim dispõe:

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Nota-se que, na prática, ocorre exatamente o contrário. Pelo menos é isso que vislumbramos pelas manchetes dos jornais.

O Sistema de execução de pena tradicional não prepara o “bandido” para o seu retorno à sociedade. Na maioria dos casos, aplica apenas o caráter retributivo da pena, isto é, a pena somente como castigo.

A própria sociedade, de uma maneira geral, não consegue compreender a necessidade da recuperação do condenado. A natureza humana acaba nos empurrando a buscar a vingança e o castigo.

Como no Brasil não existe pena perpétua, o condenado um dia será posto em liberdade. E quando esse dia chegar, é necessário que ele esteja preparado para se reintegrar à sociedade. Do contrário, voltará a delinquir.

No Brasil, conforme destaca a própria Constituição Federal de 88 (CF/88) em seu art. 5º, inciso XLVII, não haverá penas de morte (salvo em caso de guerra declarada), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis.

Valdeci Antônio Ferreira (2016) grande entusiasta das APACS no Brasil e fundador da APAC de Itaúna – MG (referência nacional e mundial na recuperação de apenados), destaca em seu livro “Juntando cacos, resgatando vidas”, alguns pontos importantes que denotam a precariedade e falência do sistema prisional tradicional.

Segundo o autor, os problemas começam pelos prédios, muitas vezes construídos tendo como base apenas a segurança e a economia, deixando de lado, o caráter humano.

A superpopulação prisional é outro grande entrave. Não penso que o Estado deva deixar de prender, não é isso. Mas o nosso sistema não está preparado para suportar a população que hoje se encontra reclusa.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou em 2014 um estudo demonstrando que havia mais de 711.000 (setecentos e onze mil) presos no Brasil, incluindo os que estão em prisão domiciliar) para um sistema que possui pouco mais de 357.000 (trezentas e cinquenta e sete mil) vagas.

O relatório dava conta ainda que mais de 373.000 (trezentos e setenta e três mil) mandados de prisão aguardavam cumprimento[1]. Diante destes dados, é possível afirmar que em 2014 havia um déficit de, pelo menos, 728.000 (setecentas e vinte e oito mil) vagas.

Em alguns estabelecimentos prisionais a superlotação chega a números alarmantes. No complexo penitenciário Anísio Jobin, local onde ocorreu o massacre de detentos no início de 2017, segundo o G1, 1.224 presos cumpriam pena em regime fechado no local, que tinha apenas 454 vagas – o que representa um excedente de 170%.

Há presídios em que a situação é pior, em que os detentos se revezam no momento de dormir (quando conseguem dormir). Não há, em geral, uma separação dos presos de maior periculosidade daqueles que cometeram crimes de menor potencial.

Ferreira (2016) destaca outros fatores que contribuem para a falência do sistema tradicional como a ociosidade do preso, a perda de sua identidade, a corrupção e a presença de drogas etc.

Como muitos afirmam, a prisão (em geral, pois creio que deva existir alguma exceção) acaba se tornando uma escola para formar bandidos.

 

O Método APAC

 

O método APAC teve o seu início na década de 70, encabeçado por pessoas preocupadas com o sistema carcerário e os seus maléficos reflexos para a sociedade. Esse grupo, guiado pelo Dr. Mário Ottoboni, iniciou uma jornada que culminou na fundação da primeira APAC na cidade de São José dos Campos.

O método desenvolvido (e em constante aperfeiçoamento) tem como preceito básico a valorização humana. Um sistema em que o ser humano é o centro. Um sistema em que a responsabilidade pelo presídio (chamado de Centro de Reintegração Social) é dos próprios presos (chamados de recuperandos).

Como assim? Uma prisão sem agentes de segurança ou policiais armados? Isso mesmo.

APAC, significa Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, segundo Ferreira (2016), é uma entidade civil, de direito privado, sem fins lucrativos, com personalidade jurídica própria, destinada à recuperação e à reintegração social dos condenados a pena privativa de liberdade.

As APAC’s atuam em parceria com o Estado e, principalmente, com a comunidade para transformar a forma cumprimento de pena.

O método APAC tem como fundamento 12 elementos: (Ferreira, 2016)

1 – Participação da Comunidade:

É preciso que a comunidade abrace o método APAC, do contrário a sua implantação restará prejudicada. A APAC só existe nos locais em que a comunidade rompeu as barreiras do preconceito e aderiu à ideia.

2 – Recuperando ajudando recuperando:

A APAC desperta nos recuperandos os sentimentos de responsabilidade, ajuda mútua e solidariedade. O recuperando é o principal ator do seu processo de reintegração social.

3 – Trabalho:

O trabalho na APAC não tem o objetivo apenas de geração de renda, mas sim de resgate de valores essenciais ao ser humano. O recuperando passa a vislumbrar a sua importância na comunidade, pelo fruto do seu trabalho. Noutro lado, o trabalho (e também o estudo) propicia a todos uma ocupação útil durante a sua privação de liberdade.

4 – A espiritualidade e a importância de se fazer a experiência de Deus:

Victor Frankl (2003) apud Ferreira (2016) elucida que “a APAC vê o homem como um ser biopsicossocial e espiritual”. É realizado trabalho ecumênico para que todos possam ter a experiência do Amor divino.

5 – Assistência Jurídica:

A APAC, por seus próprios meios ou através de parcerias e do trabalho de voluntários, oferece assistência jurídica gratuita aos recuperandos (apenas na execução da pena) que não possuem advogados contratados.

6 – Assistência à Saúde:

A APAC viabiliza todos os meios necessários para que os recuperandos tenham o atendimento de que necessitam. Essa assistência engloba a psicológica, física, mental, odontológica, dependência química, entre outras.

7 – A Família:

A família é um dos pilares sustentadores do método. A família dos recuperandos é também acompanhada pela APAC para que todos possam caminhar juntos. A vítima do delito e/ou a sua família também são assistidos pela entidade.

8 – O voluntário e o curso para a sua formação:

Os voluntários são as pessoas que ofertam parte do seu tempo e dos seus dons para ajudar os recuperandos. A atividade dos voluntários vai desde a oferta de serviços, como consultas etc, até a realização de trabalhos de valorização humana e de apoio às famílias. A participação dos voluntários permite não só a oferta de serviços que a APAC não teria recursos para contratar como também denota o entrosamento e o compromisso da comunidade com o recuperando. Afinal, esse recuperando um dia estará de volta às ruas. Todos os voluntários devem passar por cursos e treinamentos para compreensão do método.

9 – Centro de Reintegração Social (CRS):

É o espaço físico da APAC. O Código Penal prevê três regimes para cumprimento da pena de reclusão. Fechado, semiaberto e aberto. O método APAC pode ser aplicado aos três regimes, todos eles são englobados no projeto do CRS.

Outro ponto importante, é que o CRS deve estar em local servido por transporte público para facilitar o acesso dos familiares e assim permitir uma adequada reinserção social.

10 – Mérito:

Conforme Ferreira (2016), o mérito “constitui a vida do recuperando desde o momento em que ele chega”. Na verdade, os benefícios na execução da pena (como a progressão de regime, por exemplo) são autorizados mediante o cumprimento de dois requisitos: tempo e mérito. Neste contexto na APAC existe a CTC (Comissão Técnica de Classificação) que exerce importante papel nessa análise.

11 – Jornada de Libertação com Cristo:

É um momento de reflexão mais aprofundada, realizado em um encontro de 04 dias realizado pela APAC.

12 – Valorização Humana (base do método APAC)

Observa-se que todos os elementos da APAC se voltam à valorização humana. É quase impossível recuperar o bandido, enquanto não é valorizado como ser humano. O que a APAC faz é um processo de resgate do ser humano através dessa valorização.

 

Na APAC não há superlotação, cada recuperando possui sua cama. São eles quem cuidam da limpeza dos ambientes. No regime fechado, eles ficam soltos durante todo o dia – há horário para o recolhimento em suas celas.

Quem fica com a chave das celas são os próprios recuperandos. Eles se avaliam e possuem rotina intensa baseada na disciplina.

No regime fechado os recuperandos fazem artesanato, utilizando-se de tesouras com ponta, estiletes, e outros materiais. O alicerce de confiança estabelecido é tão grande que até mesmo a fiscalização para verificação de quem está trabalhando ou não fica por conta dos próprios recuperandos.

O recuperando é reconhecido enquanto ser humano. Ele reconhece o seu erro e que precisa mudar. A APAC lhe oportuniza os instrumentos para que essa mudança se efetive.

 

APAC x Sistema Comum

 

Antes que digam que a ideia da APAC é “passar a mão na cabeça do preso”, é importante salientar que a disciplina na APAC é, talvez, mais rigorosa que no sistema tradicional. O diferencial é a valorização humana. Existe um regulamento muito bem redigido e de amplo conhecimento dos recuperandos.

Faltas graves podem ser punidas, além de outras sanções, com o retorno do recuperando ao sistema comum.

Quem não conhece a APAC pode pensar que talvez esse método não funcione. Contudo, após mais de 40 anos de sua implantação no primeiro estabelecimento, as estatísticas são amplamente favoráveis à APAC. Vejamos:

 

– A Reincidência, ou seja, o condenado que é posto em liberdade e volta cometer crime:

No sistema tradicional, a reincidência (média nacional) gira em torno de 85%. (Ferreira, 2016)

Pelo método APAC, a reincidência é inferior a 10%. (Ferreira, 2016)

 

– O custo mensal do condenado:

No sistema tradicional, a média nacional do custo do condenado é de R$ 2.400,00 por mês

Pelo método APAC, o custo do recuperando é de pouco mais de R$ 1.000,00 por mês

Obs: Segundo o portal de notícias G1, o custo mensal do preso no Amazonas chega a R$ 4.129,00

 

– O custo para a abertura de uma vaga no sistema prisional:

No sistema tradicional, o custo é de R$ 37.000,00

Pelo método APAC, o custo é de R$ 27.000,00. Em algumas localidades é ainda menor.

 

Considerações Finais

 

Para alguns é difícil admitir, mas o método APAC realmente é o caminho para a crise no sistema prisional enfrentado pelo nosso país, os números não mentem.

É a partir da valorização humana que se chega à recuperação do condenado.

Claro que nem todos os condenados manifestarão vontade em aderir à APAC, e esta é uma condição básica para ingresso no sistema. Daí a necessidade de manutenção de presídios mais humanizados.

Outros países, mais desenvolvidos que o Brasil já buscaram formas para a metodologia na execução penal. Segundo Ferreira (2016), países como Holanda e Canadá apostaram em prisões modernas e bem equipadas – mas a reincidência continua alta.

Em alguns países menos desenvolvidos, sobretudo na África, Ásia e América Latina, apostaram em prisões insalubres, superlotadas e expondo os condenados a maus-tratos – amargam altos índices de reincidência.

Estados Unidos e outros países que apostaram no trabalho como forma de recuperação, também não obtiveram êxito nos índices de reincidência. Pois o trabalho sozinho não é capaz de recuperar.

A APAC visa promover a justiça, socorrer a vítima (deixada de lado no Sistema tradicional), proteger a sociedade para, assim, recuperar o preso. Os 12 elementos fundamentais, supramencionados, diferenciam o método APAC e colaboram para o seu sucesso.

A inovação do método APAC consiste em cumprir todos os preceitos determinados pela CF/88 e regulamentados na Lei de Execução Penal. Tratamento digno para recuperação do condenado.

O que a população precisa entender, repise-se, é que um dia o condenado será posto em liberdade… (é necessário que ele esteja pronto)

Com relação à assertiva inicial “BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO”.

O meu ponto de vista, repousa nos preceitos básicos da APAC. Entendo que a APAC é o único caminho para uma execução de excelência. Modelo que já é copiado por países do mundo inteiro.

Depois de compreender o método da APAC, vejo que é necessário MATAR o bandido que existe dentro do condenado para que assim seja possível salvar esse ser humano e, por consequência, transformar a sociedade. O resgate de valores e demais estratégias que o método adota são as ferramentas para esta realidade.

O Estado deve envidar todos os esforços para matar o bandido (dentro da ideia já exposta), apoiando o método APAC e, através da valorização humana, buscar uma efetiva paz social.

 

Gostou do artigo? Compartilhe com seus amigos e não esqueça de curtir a nossa fanpage…

Grande abraço!

 

 

 

[1] O portal Estadão divulgou recentemente (janeiro/2017), que o número de mandados de prisão aguardando cumprimento já passa dos 564.000.




Cláusula de não restabelecimento

DIREITO EMPRESARIAL. ABUSIVIDADE DA VIGÊNCIA POR PRAZO INDETERMINADO DE CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA.

É abusiva a vigência, por prazo indeterminado, da cláusula de “não restabelecimento” (art. 1.147 do CC), também denominada “cláusula de não concorrência” *

*Parte da ementa de julgado do STJ inserto no Informativo 554

No caso supracitado o STJ foi provocado a se manifestar acerca da legalidade de disposição contratual de “não restabelecimento” por prazo indeterminado em contrato de trespasse. No caso em comento, o STJ decidiu pela abusividade desta cláusula com a consequente aplicação do prazo geral de 05 anos.

Abaixo, algumas considerações para melhor entendimento sobre o assunto:

A cláusula de “não restabelecimento”, também chamada pela doutrina de “cláusula de não concorrência” ou “cláusula de interdição da concorrência” tem seu lugar no momento da formalização do contrato de trespasse.

O contrato de trespasse, de maneira sucinta, nada mais é que o contrato para alienação do estabelecimento empresarial, ou seja, sua venda.

Ao adquirir um estabelecimento empresarial é normal e compreensível que o novo proprietário não queira ter como seu concorrente direto e imediato o antigo proprietário do estabelecimento empresarial. Isto porque, via de regra, a clientela acompanharia o antigo empresário, e tal hipótese violaria o princípio da boa-fé objetiva, disposto no art. 422 do Código Civil Brasileiro.

Nesta linha, o art. 1.147 do Código Civil regulamentou a cláusula de não concorrência, que é, na verdade, a impossibilidade do alienante fazer concorrência ao adquirente do estabelecimento empresarial, senão vejamos:

Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.

Esta cláusula tem como finalidade maior evitar que o adquirente experimente prejuízos, oriundos da clientela desviada pelo alienante, numa clara concorrência desleal.

Importante destacar que o contrato de trespasse pode autorizar a concorrência, conforme dicção do mesmo artigo 1.147 do Código Civil, desde que seja ato de vontade livre dos contratantes.

Noutro giro, a referida cláusula também não autoriza o estabelecimento de prazo indeterminado para o restabelecimento do antigo proprietário, ou seja, não pode o novo proprietário impor ao antigo, por cláusula contratual, a impossibilidade de voltar a exercer atividade empresarial (por prazo indeterminado) naquela área de concorrência.

Isso porque o objetivo da norma é afastar a deslealdade no trato concorrencial e não limitar definitivamente a capacidade de novamente exercer atividade empresarial no mesmo ramo pelo proprietário alienante.

Nesse entendimento é que o STJ determinou, no caso concreto, a aplicação do prazo geral de 05 anos, tendo em vista a abusiva cláusula que impede o alienante de se restabelecer comercialmente.

Grande abraço a todos.




Legalização do Aborto e o STF

Legalização do aborto. Este é um tema sempre atual no nosso ordenamento. As divergências entre os que defendem a legalização do aborto e os que apoiam a sua criminalização crescem a cada dia.

Os que defendem a legalização, o fazem apoiados nos direitos da mulher, na igualdade de gênero entre outros argumentos. Os contrários, se apoiam na garantia do direito à vida, constitucionalmente protegido, se referindo especificamente aos direitos do ser em formação.

Recentemente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) deu fôlego novo às discussões em torno da legalização do aborto. E a pergunta que agora paira no ar: Depois desse julgamento realizado pelo STF, o aborto continua sendo crime?

Vamos à análise da questão:

 

Aborto

 

Segundo a doutrina (Bulos, 2014), “Aborto é a interrupção da gravidez antes do seu termo normal, com ou sem expulsão do feto, espontâneo ou provocado”.

A prática do aborto no Brasil constitui crime. Mesmo que seja praticado pela própria gestante ou com o seu consentimento existe previsão legal do crime.

A interrupção da gravidez também acarreta a interrupção da vida. É nessa ideia que o legislador buscou fundamento para tipificação desse ilícito penal.

A criminalização do aborto tem por pressuposto a proteção do direito à vida, consagrado pela Constituição Federal de 88 (CF 88). Tal direito é também reconhecido ao feto ou embrião.

Mas a partir de qual momento surge a vida?

 

Teorias que explicam o surgimento da vida humana

 

São várias as teorias que explicam em que momento se dá o surgimento da vida humana, das quais destaco:

– A primeira teoria entende que a vida se inicia a partir da concepção. Tal teoria se fundamenta no Pacto de São José da Costa Rica, o qual dispõe que o direito à vida deverá ser protegido por lei e, em geral, a partir da concepção (momento em que há a fecundação do óvulo pelo espermatozoide que resulta no ovo ou zigoto).

– A segunda teoria entende que a vida se inicia a partir da nidação (momento em que o ovo ou zigoto se fixa no útero). O fundamento é de que a partir da nidação a vida se torna viável, uma vez que o embrião não pode se desenvolver fora do útero.

– A terceira teoria aborda que a formação do sistema nervoso central do ser humano deve ser levado em conta para aferição do surgimento da vida humana. Isto ocorre por volta do décimo quarto dia após a concepção.

– A quarta teoria entende que a vida humana surge quando o feto passa a ter capacidade de existir fora do ventre materno. O que ocorre entre a vigésima quarta e a vigésima sexta semanas de gestação.

 

O ordenamento brasileiro garante a inviolabilidade do direito à vida, mas não fixa em que momento essa garantia surge, isto é, em que momento há o surgimento da vida.

Alguns autores, utilizando-se analogicamente da lei 9434/97 e de resolução do Conselho Federal de Medicina, aduzem que a proteção jurídica à vida se inicia com a formação da placa neural.

Tal entendimento se baseia na ideia de que o indivíduo é considerado morto quando a atividade cerebral cessa. Assim, a contrário sensu, quando essa atividade se inicia, há o surgimento da vida.

O que justificaria a utilização da chamada “pílula do dia seguinte” sem reflexos no âmbito criminal (esse medicamento, entre outros efeitos, impede a nidação).

O STF reconheceu essa teoria no julgamento da ação de descumprimento de preceito fundamental – ADPF 54/DF, em que se discutia a legalidade do aborto de feto anencéfalo.

Na oportunidade, foi firmado o entendimento de que não constitui crime a interrupção de gravidez de feto anencéfalo, por não haver viabilidade de vida. Pois o feto anencéfalo não possui cérebro ou possibilidade de desenvolver atividade cerebral devido à má formação.

 

Legalização do Aborto pelo Mundo

 

Marcelo Novelino (2013), apresenta como o aborto é tratado em outros países:

– Na Alemanha, existe lei que proíbe o aborto sem, contudo, criminalizar a conduta da gestante, desde que sejam adotadas outras medidas para a proteção do feto. O entendimento do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha que o direito do feto à vida não pode eliminar por completo os direitos fundamentais da gestante.

–  Na França, o aborto é tratado como questão de saúde pública. Aquele país entende que tratando dessa forma, há um menor custo para a sociedade, além de oferecer menos risco que abortos realizados clandestinamente.

– No Reino Unido, com exceção da Irlanda do Norte, o aborto é legal, porém sua prática é possível até a 24.ª semana de gestação.

– Nos Estados Unidos, a Suprema há o reconhecimento do direito da mulher à realização do aborto, mas só no primeiro trimestre da gestação.

 

Vários países pelo mundo permitem a realização do aborto, mas a maioria deles o condicionam a determinados prazos (por exemplo, realizado até o primeiro trimestre da gestação) ou motivado por situações que ofereçam riscos à saúde da gestante, má formação do feto, estupro, entre outros.

 

Legalização do Aborto – Brasil

No Brasil o aborto é crime, tipificado nos arts. 124 a 127 do código penal brasileiro. As exceções a esta regra também estão previstas na legislação penal:

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Muito vem se discutindo acerca do direito de escolha da mulher no momento de realização do aborto. Haveria ou não a possibilidade de respeitar os interesses da mulher com relação à continuidade ou não da gravidez?

No Brasil, não há espaço para legalização do aborto, uma vez que a própria Constituição dispôs em seu art. 5º, caput, acerca do direito à vida. E não há como se negar que o embrião ou o feto, não obstante não ser pessoa pois ainda está em formação, está vivo e deve ter esse direito preservado.

Nem mesmo Emenda Constitucional poderia proceder à legalização do aborto, tendo em vista, que o direito à vida constitui núcleo imutável da Carta Magna, protegida por cláusula pétrea.

 

Decisão do STF que descriminaliza o Aborto

 

As redes sociais trataram de disseminar a ideia de que o STF teria descriminalizado o aborto, ou seja, deixado de considerar o aborto como crime, tendo em vista a sua inconstitucionalidade.

Isso não aconteceu.

O aborto continua sendo crime. Vamos entender o que o STF decidiu:

O caso envolvia integrantes de uma clínica de aborto que teriam realizado o procedimento com o consentimento de uma gestante. Eles tiveram prisão preventiva declarada.

Logo depois o juízo competente concedeu liberdade provisória aos acusados. O MP interpôs recurso dessa decisão que foi acatado pelo Tribunal e confirmado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Os acusados impetraram Habeas Corpus junto ao STF que em decisão final não conheceu do habeas corpus por ser incabível na hipótese (porque foi utilizado como substitutivo de recurso ordinário constitucional). Contudo, resolveu conceder de ofício o habeas corpus sob dois fundamentos:

1 – Não estavam mais presentes os requisitos que legitimariam a prisão preventiva. Os acusados são primários, com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação.

2 – A criminalização do aborto no primeiro trimestre da gestação (que era o caso), viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade.

 

Quanto ao primeiro fundamento invocado pelo Ministro não há muito o que comentar. Trata-se de análise feita à luz do que o art. 312 do Código de Processo Penal estatui.

O segundo ponto argumentativo merece destaque.

A análise foi feito pelo Ministro Luís Roberto Barroso que compõe a 1º Turma do STF. No entendimento dele, que foi acompanhado por outros dois ministros, “é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos artigos 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre”.

Foi concedido Habeas Corpus porque haveria dúvidas, inclusive, sobre a existência de crime.

A decisão do Ministro Barroso baseou-se nos seguintes pilares:

– A criminalização do aborto antes de concluído o primeiro trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade / Violação à autonomia da mulher / Violação do direito à integridade física e psíquica / Violação aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher / Violação à igualdade de gênero / Discriminação social e impacto desproporcional sobre mulheres pobres / Violação ao princípio da proporcionalidade.

 

Mas por que no primeiro trimestre?

Segundo o Ministro, apoiado em alguns estudos e na prática adotada em diversos países como os Estados Unidos, até o final do primeiro trimestre o córtex cerebral ainda não foi totalmente formado.

Essa é a área que permite ao feto desenvolver sentimentos e racionalidade. Ademais, durante esse período não há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno.

 

Considerações Finais

 

Como disse no início desse artigo, humildemente me filio à corrente doutrinária que entende ser IMPOSSÍVEL a legalização do aborto no Brasil, vez que o direito à vida é o bem maior assegurado pela Constituição. E, nesta senda, nem mesmo Emenda Constitucional teria legitimidade para sua violação.

Contudo, reconheço que há situações que acabam por relativizar essa premissa. Alguns já reconhecidos pela legislação (gestação que ameace a vida da gestante, gestação oriunda de estupro) e outros reconhecidos pelos tribunais (gestação de feto anencéfalo). Essas exceções não maculam o mandamento constitucional.

É necessário entender que a decisão do STF foi adotada sem unanimidade por uma turma do STF (o STF é composto por duas turmas) para um caso específico. Destarte, não aplica-se imediatamente ou automaticamente a outros casos, ainda que idênticos.

Ademais, o próprio Ministro esclareceu em seu voto que “ao se afirmar aqui a incompatibilidade da criminalização com a Constituição, não se está a fazer a defesa da disseminação do procedimento”.

Contudo, a referida decisão gera precedente que pode acabar sendo invocado em outros instâncias.

Se estamos diante de mais uma possibilidade de aborto a ser definitivamente reconhecido pelos tribunais, e posteriormente pela legislação, só o tempo dirá.

 

Gostou do artigo? Compartilhe com seus amigos…

 

Se quiser fazer sugestão de alguma temática para um artigo, utiliza a aba “fale conosco”. Sua sugestão será bem-vinda.

 

Leia também:    Direito à vida e à saúde

O voto facultativo e a PEC 61/2016

 

Grande abraço a todos!

 

 




Supremacia do Interesse Público e a crise de representatividade

A supremacia do interesse público deve estar presente nas ações estatais. É através dela que o Estado legitima ações que, apesar de interferir no direito de alguns cidadãos isoladamente considerados, refletem no atendimento à coletividade.

O problema é que as pessoas que elegemos para nos representar acabam por se desviarem do interesse maior de proteção ao que é de todos. A crise vivenciada pelo Brasil não deixa dúvidas quanto a isso.

Vejamos alguns conceitos e debates em torno dessa temática.

 

Princípio da Supremacia do Interesse Público

O princípio da supremacia do interesse público não está explicitamente previsto na Constituição Federal de 88, mas possui contornos tão importantes, que a doutrina o classifica como SUPRA princípio, ou seja, um princípio de ordem superior.

A ideia central da supremacia é a de que o interesse público deve estar à frente, guiando as atividades do Estado. O Poder Público deve perseguir a todo custo o chamado interesse público primário. Ainda que para isso seja necessário se valer de mecanismos (previstos em lei) que relativizem o direito de terceiros.

A desapropriação é um claro exemplo. Ela ocorre quando o Estado retira, de maneira forçada, a propriedade de uma pessoa, em regra, mediante indenização justa, prévia e em dinheiro.

Para a pessoa que teve o seu direito de propriedade relativizado, a desapropriação é injusta. Por outro lado, o fim maior do Estado é o interesse da coletividade, e em nome desse interesse pode assim proceder.

A supremacia do interesse público dá ao Estado, portanto, os instrumentos para garantir à coletividade a prevalência do seu interesse.

Indisponibilidade do Interesse Público

A Supremacia do Interesse Público encontra limites neste outro supra princípio, o da indisponibilidade. Devemos entender que coisa pública é algo que pertence a todos.

O gestor da coisa pública não é seu dono é apenas gestor. Os donos (todos nós) delegamos competência, através de um mandato, para que ele, em nosso nome, exerça a administração desses bens.

Assim, a legislação impõe limitações nessa atuação para que as melhores práticas sejam realizadas. Deseja adquirir bens? Deve realizar procedimento licitatório. Deseja contratar pessoal? Deve realizar concurso público. Pretende alienar bens público? Deve seguir todos os parâmetros determinados por lei. E assim por diante.

Toda a conduta do gestor público é limitada pela legislação e demais princípios. Eles dispõem de regras rígidas (burocracia administrativa) para garantir que a atuação estatal não se desvie da finalidade maior de atendimento ao interesse público.

Crise de Representatividade

A supremacia do interesse público deve ser assegurada em cada política implementada pelo Estado. O cidadão comum é protagonista de todo o processo, uma vez que é o responsável pela escolha dos gestores públicos.

O direito de sufrágio, patrimônio fundamental do cidadão, concede a possibilidade de efetiva participação na vida política do Estado. É através dele que o cidadão vota e pode ser votado.

Escolhemos, de 02 em 02 anos, em eleições diretas, as pessoas que farão parte do núcleo decisório estatal. Presidente, senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores. Todos, dentro de suas competências, quando eleitos, firmam o pacto de defesa dos interesses da coletividade.

Ocorre que, no Brasil, há muito assistimos um completo desvio dessa lógica. O interesse público acaba sendo confundido com o interesse político de grupos no poder.

O cidadão eleitor, salvo honrosas exceções, não consegue enxergar nas ações de seu representante, o reflexo da sua vontade, enquanto parte de uma coletividade.

E nessa toada, a classe política vê o seu prestígio desmoronar com a população em geral. Por conta dos sucessivos fracassos na administração de muitos entes federados e, principalmente, pelos escândalos de corrupção.

A cada nova fase da operação Lava Jato, por exemplo, mais se aprofundam num mar de lama, numa areia movediça que os enterram, ao menos temporariamente, das atividades parlamentares e executivas.

Esta conjuntura leva a população a buscar caminhos alternativos no momento da escolha dos candidatos. Exemplo disso é o da cidade de São Paulo que elegeu um candidato que se diz administrador e não político. Idem Belo Horizonte e tantas outras cidades.

 

Maranhão estava certo?

Quem se lembra do Deputado Waldir Maranhão que substituiu Eduardo Cunha em seu afastamento?

Em poucos dias à frente da Câmara dos Deputados expediu ato anulando todo o processo de impeachment da Presidente Dilma (diga-se de passagem em total afronta ao regimento interno da Casa).

Sem adentrar no mérito politiqueiro de sua decisão, gostaria de apontar algo muito interessante em seu fundamento. O deputado alegou que os seus companheiros parlamentares votaram motivados por conluios políticos (ordenados pelas siglas partidárias). Que não foram movidos pelas suas convicções pessoais representativas do interesse público.

Neste ponto, aplausos.

Diz os arts. 45, 46 e 78 da CF/88:

Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.

Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.

Art. 78. O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.

O interesse a ser defendido por quem ocupa cargo eletivo é o da coletividade e nenhum outro, por mais tentador que seja.

Em situação muito análoga (caso de compra de votos dos deputados), Pedro Lenza argumenta que é possível a declaração de inconstitucionalidade das decisões resultantes desses processos. Seria a inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar.

 

Considerações Finais

O supra princípio da Supremacia do Interesse Público não constitui-se em mera diretriz colaborativa da gestão pública. Este conceito deve ser posto em primeira ordem. A gestão da coisa pública deve ser feita no interesse da coletividade e, qualquer outro colocado à sua frente, padece de legitimidade constitucional.

Nos Estado Unidos a eleição do bilionário excêntrico Donald Trump pode até parecer estranho aos olhos de muita gente. Mas, talvez lá, a população, assim como aqui, esteja cansada dos profissionais da política (no caso Hillary). Muita lógica, mas a meu ver, escolha complicada.

A crise de representatividade brasileira se agrava mais e mais e enquanto isso, o conceito de Supremacia do Interesse Público se esvai nos ralos da impunidade e da corrupção.

 

Grande abraço a todos!

Leia também: Mitos e verdade sobre a PEC 241

A crise afeta o servidor público estável?




Sucessão do Presidente da República

Inicialmente, é importante destacar a diferença entre sucessão e substituição. Ambas ocorrem com o afastamento do titular de suas competências. Entretanto, apenas no primeiro caso esse afastamento é permanente.

A substituição ocorre, portanto, com o impedimento temporário do Presidente. Que pode ser voluntário ou involuntário.

– Voluntário: Por manifestação de vontade do Presidente. Ex: viagem ao exterior.

– Involuntário: Independe da vontade do Presidente. Ex: doença.

 

A sucessão é definitiva e traz por consequência a vacância do cargo. A própria CF/88 estabelece a linha sucessória presidencial.

Na história do Brasil, por mais de uma vez, o cargo de Presidente esteve vago por impedimento permanente do seu titular. O caso mais recente foi o da Presidenta Dilma Roussef que passou por processo de impeachment.

A substituição e a sucessão presidencial estão previstos no art. 79 e seguintes da CF/88:

Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.

Parágrafo único. O Vice-Presidente da República, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei complementar, auxiliará o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais.

Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

  • 1.° Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
  • 2.° Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.

A linha sucessória estabelecida pela CF/88 é composta na seguinte ordem:

1º – Vice-Presidente

2º – Presidente da Câmara dos Deputados

3º – Presidente do Senado Federal

4º – Presidente do Supremo Tribunal Federal

Das 04 autoridades que podem ser chamadas a suceder o Presidente, apenas o vice-presidente assumirá o cargo até o término do mandato. Os demais, assumirão com o dever de convocar eleições em prazo determinado.

Assim, no caso da chamada dupla vacância, ou seja, presidente e vice-presidente impedidos de assumir o cargo, as outras autoridades serão chamadas a suceder:

 

Ocorrerá da seguinte forma:

– Caso a vacância ocorra nos dois primeiros anos do mandato:

O sucessor assume e convoca eleições DIRETAS no prazo de 90 dias, conforme art. 81 da CF/88.

 

– Caso a vacância ocorra nos dois últimos anos do mandato:

O sucessor assume e convoca eleições INDIRETAS no prazo de 30 dias, conforme art. 81, §2º da CF/88.

Nesse caso, a eleição será feita pelo Congresso Nacional, ou seja, apenas os parlamentares poderão votar (regulado pela Lei 1395/51).

O cidadão eleito, seja no caso de eleições diretas ou indiretas, apenas termina o mandato que está em curso. Esta pessoa pode até ser candidato novamente no pleito eleitoral subsequente, mas se eleito, é considerado REELEIÇÃO. O que a doutrina denomina de mandato-tampão.




O Projeto de Lei de Iniciativa Popular clama por mudanças

Projeto de lei de iniciativa popular. A iniciativa popular, o plebiscito e o referendo são instrumentos previstos na Constituição Federal de 88 (CF/88) para possibilitar a participação direta do cidadão nos rumos do país (democracia direta).

Neste artigo vou me ater apenas à iniciativa popular, que consiste na apresentação de projeto de lei formulado e apoiado pela população à Câmara dos Deputados.

O projeto deve ser subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional. Distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (CF, art. 61, § 2.º, e Lei 9.709/1998, art. 13).

Normalmente, ONGS, associações e movimentos populares encabeçam a discussão em torno de um tema. Elas se encarregam de colher as assinaturas necessárias e tocam o restante do procedimento até a entrega do projeto à Câmara.

O projeto de lei de iniciativa popular deve voltar-se a um só assunto. Uma vez protocolado na Câmara, não poderá ser rejeitado por vício de forma. A própria Câmara dos Deputados providenciará a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação (Lei 9.709/1998, art. 13, §§ 1.º e 2.º).

Alguns exemplos exitosos de projeto de lei de iniciativa popular: a Lei Complementar 135/2010, também conhecida como Lei da Ficha Limpa (coletou mais 1.600.000 assinaturas em todo o país); a Lei 11.124/2005, que instituiu o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social; a Lei 9.840/1999 de combate à compra de votos; e a Lei 8.930/ 1994, que alterou a lei dos crimes hediondos (caso Daniella Perez, atriz da rede Globo de Televisão, brutalmente assassinada).

 

Caminho do projeto de lei de iniciativa popular

 

Não é tranquilo o caminho pelo qual o projeto de lei de iniciativa popular deve passar. Além de todos os requisitos já citados ligados ao quantitativo de assinaturas e à sua distribuição em todo o território nacional, outro problema deve ser enfrentado.

Ao chegar na Câmara dos Deputados o projeto segue o curso normal de qualquer outro projeto de lei. Mesmo sendo um projeto de lei que carrega uma qualidade especial, a de ser oriunda da vontade direta do povo e não da vontade indireta, como as que são confeccionadas pelos parlamentares.

Ao final deste artigo, apresente as disposições do regimento interno da Câmara dos Deputados que regula a iniciativa popular de projetos de lei.

Esse caminho normal faz com que esses projetos passem muito tempo tramitando até a sua sanção o que acaba por descaracterizar o instituto da iniciativa popular que, normalmente, se manifesta quando há urgência na resolução de uma questão não enfrentada pelo Legislativo.

Tomemos como exemplo, a lei 11124 de 2005, acima citada, que tramitou na Câmara dos Deputados por 13 (treze) anos.

A iniciativa popular de fato clama por uma revisão para se adaptar às novas tecnologias ligadas à internet e, visando à garantia de que o projeto terá uma atenção especial dos parlamentares, uma vez que é fruto da mobilização de parcela considerável dos cidadãos brasileiros.

 

Projeto de lei de iniciativa popular e a PEC 8/2016

 

Visando a estabelecer um tratamento especial ao projeto de lei de iniciativa popular, tramita no Senado Federal a PEC 8/2016. Esta proposta de emenda à Constituição tem por objetivo aplicar aos projetos de lei de iniciativa popular o célere rito de tramitação das medidas provisórias.

A PEC 8/2016 acrescentaria o §3º ao art. 61 da CF/88 e teria a seguinte redação:

3º. Se o projeto de lei de iniciativa popular não for apreciado em até quarenta e cinco dias contados de sua apresentação ao Congresso Nacional, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando, com exceção daquelas que tenham prazo constitucional determinado.

Na prática, caso a PEC seja promulgada, o Congresso seria obrigado a apreciar o projeto imediatamente e, caso não o faça no prazo de até 45 dias, não poderia analisar nenhum outro projeto até que se finalize a sua votação.

A proposta é muito interessante e visa garantir que o verdadeiro detentor do Poder tenha garantida a efetividade de um dos mais importantes instrumentos da democracia direta previstos na CF/88.

Art. 1º.(…)

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifo nosso)

O Senador Reguffe, do Distrito Federal, na justificativa da PEC 8/2016, muito bem salienta que “é insustentável que o titular de todo o Poder em nossa República – o povo brasileiro – tenha menos prerrogativas que o seu representante, no caso, o Presidente da República”.

O Senador faz referência ao fato de que as medidas provisórias, emanados pelo Presidente da República, caso não apreciadas em 45 dias, possuem força para trancar a pauta de discussões do Congresso. Enquanto não apreciadas o Congresso não pode analisar outras medidas.

Já os projetos de lei de iniciativa popular ficam à mercê dos interesses político-partidários dos parlamentares no poder.

 

Projeto de lei de iniciativa popular e a PLS 267/2016

 

A lei 9709/98 regulamenta o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Esta lei dispõe acerca dos conceitos, requisitos e procedimentos desses institutos.

O PLS 267/2016 visa alterar a referida norma, com o intuito de desburocratizar o procedimento referente ao projeto de lei de iniciativa popular.

Visa a possibilitar a utilização da internet para coleta de assinaturas que serão validadas pela justiça eleitoral. Prevê ainda, que a justiça eleitoral mantenha lista atualizada de anteprojetos de lei de iniciativa popular na internet, para que aqueles, que assim desejarem, possam assinar eletronicamente os projetos de interesse.

O referido PLS se harmoniza perfeitamente com os princípios constitucionais garantidores da participação popular.

É notória a crise de representatividade vivenciada no nosso país. Onde os cidadãos não conseguem enxergar nas ações dos seus representantes o reflexo da vontade popular, do interesse público.

Clique aqui para acessar o artigo “O Princípio da Supremacia do Interesse Público e a Crise de Representatividade”.

Nessa linha, torna-se necessário o fortalecimento dos instrumentos da democracia direta para assegurar ao cidadão a atendimento aos seus anseios, razão maior da existência do Estado.

 

Disposições do Regimento Interno da Câmara dos Deputados que regulam a iniciativa popular:

 

Art. 252. A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um centésimo do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três milésimos dos eleitores de cada um deles, obedecidas as seguintes condições:

I – a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome completo e legível, endereço e dados identificadores de seu título eleitoral;

II – as listas de assinatura serão organizadas por Município e por Estado, Território e Distrito Federal, em formulário padronizado pela Mesa da Câmara;

III – será lícito a entidade da sociedade civil patrocinar a apresentação de projeto de lei de iniciativa popular, responsabilizando-se inclusive pela coleta das assinaturas;

IV – o projeto será instruído com documento hábil da Justiça Eleitoral quanto ao contingente de eleitores alistados em cada unidade da Federação, aceitando-se, para esse fim, os dados referentes ao ano anterior, se não disponíveis outros mais recentes;

V – o projeto será protocolizado perante a Secretaria-Geral da Mesa, que verificará se foram cumpridas as exigências constitucionais para sua apresentação;

VI – o projeto de lei de iniciativa popular terá a mesma tramitação dos demais, integrando a numeração geral das proposições;

VII – nas Comissões ou em Plenário, transformado em Comissão Geral, poderá usar da palavra para discutir o projeto de lei, pelo prazo de vinte minutos, o primeiro signatário, ou quem este tiver indicado quando da apresentação do projeto;

VIII – cada projeto de lei deverá circunscrever-se a um único assunto, podendo, caso contrário, ser desdobrado

pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em proposições autônomas, para tramitação em separado;

IX – não se rejeitará, liminarmente, projeto de lei de iniciativa popular por vícios de linguagem, lapsos ou imperfeições de técnica legislativa, incumbindo à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania escoimá-lo dos vícios formais para sua regular tramitação;

X – a Mesa designará Deputado para exercer, em relação ao projeto de lei de iniciativa popular, os poderes ou atribuições conferidos por este Regimento ao Autor de proposição, devendo a escolha recair sobre quem tenha sido, com a sua anuência, previamente indicado com essa finalidade pelo primeiro signatário do projeto.

 

Gostou do artigo? Compartilhe com seus amigos…

 

Se quiser fazer sugestão de alguma temática para um artigo, utiliza a aba “fale conosco”. Sua sugestão será bem-vinda.

 

Leia também:    Direito à vida e à saúde

O voto facultativo e a PEC 61/2016

 

Grande abraço a todos!