Recuperação Judicial na Prática

Recuperação Judicial na prática – Em tempos de crise, a recuperação judicial pode ser o caminho

Em outros artigos já abordei como a crise afeta o servidor público estável, a questão da ilegalidade do parcelamento de salários de servidores, a crise de representatividade, entre outros.

Agora resolvi voltar a atenção à iniciativa privada que
tanto tem sofrido com a crise econômica que assola nosso país. Tenho atuado em
alguns processos de recuperação judicial como consultor e também como
administrador judicial e percebo o quanto as pessoas ainda imaginam que tal
processo seja “um bicho de sete cabeças”.

Para desconstruir esse paradigma vamos entender um pouco mais acerca da Recuperação Judicial prevista na Lei 11101/2005.

Considerações
Iniciais

Em tempos de crise como a que passamos, muitas empresas, dos
mais diversos ramos, estão se vendo obrigadas a fecharem as portas por falta de
condições financeiras para continuidade das atividades.

Com isso, empregados são demitidos (na maioria das vezes sem
o recebimento de todos os valores que lhe são devidos), os fornecedores dessas
empresas deixam de girar suas mercadorias, consumidores deixam de ter acesso
àqueles produtos. Toda a cadeia produtiva e de consumo sofrem com o fechamento.
Sem contar os entes públicos que deixam de arrecadar os tributos inerentes
àquela atividade.

Em 2017, enquanto 699,4 mil companhias encerraram suas
atividades, apenas 676,4 mil começaram o negócio – 503,21 nasceram naquele ano
e 173,23 reativaram suas atividades –, o que contabiliza um saldo negativo de
23 mil empresas[1].

Toda essa conjuntura tem levado empresários a buscarem alternativas a fim de evitarem o fechamento definitivo de suas empresas. Uma dessas alternativas é a recuperação judicial.

O que é a Recuperação
Judicial?

A recuperação judicial é o processo que tem por finalidade
sanear a situação de crise da empresa. Através dele a recuperanda busca a todo
custo a continuidade das suas atividades, mantendo aquela fonte produtiva e
buscando cumprir as obrigações junto aos credores de maneira facilitada.

Algumas empresas que passam por problemas econômico-financeiros estão no mercado há muitos anos e a função social que exerce na comunidade em que está inserida é de bastante relevância. É neste ponto que se insere a ideia da recuperação, onde uma espécie de acordo é realizado com os credores para que nem eles, nem o próprio devedor sofram ainda mais com o agravamento da crise.

Como funciona na
prática?

Vamos exemplificar:

Imagine uma rede de supermercados que opera em determinada
cidade do interior. Possui vínculo com mais de 100 fornecedores diferentes.
Possui conta em pelo menos 05 bancos distintos. Conta com 250 empregados.

Este supermercado se percebe em meio a uma crise quando
verifica em seus balanços que o seu faturamento caiu de tal forma, que não tem
capacidade para honrar os pagamentos no prazo com todos os credores. Não possui
linhas de crédito disponíveis, pois já foram utilizadas em outros momentos de
fragilidade econômica. Começa a atrasar o pagamento dos funcionários e por aí
vai.

Sem adentrarmos em muitos detalhes, é possível afirmar que o
supermercado mencionado encontra-se em situação de crise econômico-financeira.

Para piorar a situação, provavelmente vários credores do
supermercado já ingressaram com ações de execução para terem seus valores
satisfeitos. Os bancos, que normalmente firmam contratos lastreados por
garantias reais, já começam a se movimentar para tomada desses bens.

E, neste cenário
de caos, a recuperação judicial pode se mostrar como único caminho para
salvação da empresa
.

Saindo do exemplo e partindo para a prática. Na recuperação,
a empresa devedora faz um levantamento completo e detalhados de todos os
valores que deve, discriminando, o credor e a natureza do crédito (garantia
real, quirografário ou trabalhista) e propõe um plano para pagamento.

Essa proposta é chamada do Plano de Recuperação Judicial,
nele o devedor vai estabelecer quais os caminhos que a empresa pretende tomar
para se recuperar (vou falar um pouco mais à frente sobre isso) e qual o plano
para pagamento dos credores.

Qualquer empresa em
crise pode pleitear a Recuperação Judicial?

Não. A recuperação judicial se presta àquelas empresas que
possuam viabilidade, que sejam capazes de demonstrar que a crise
econômico-financeira pode ser superada, através de determinadas medidas
reestruturantes da atividade.

No caso de empresas sem viabilidade a única solução possível
é a falência, também regulamentada pela Lei 11101/2005.

Primeiro passo para a
Recuperação Judicial

As empresas em geral, sobretudo nos últimos anos, acabam
embarcando em uma situação difícil do ponto de vista financeiro, por conta das
constantes mudanças no cenário econômico nacional. Empresas que fecham,
tributos que continuam em ascensão, diminuição do consumo, alta nas taxas de
juros, entre outros. Em alguns locais do país, até mesmo a crise hídrica tem
influenciado na dificuldade de empresas que necessitam da água para operar.

Quanto antes a situação de crise for percebida melhor será
para o processo.

O primeiro passo é uma completa auditoria para levantamento
de todos os valore devidos. A maioria das empresas ao finalizar essa etapa
percebem que o débito existente é bem maior do que imaginavam. Isso ocorre, por
exemplo, porque muitos contratos firmados e não pagos pontualmente, acabam
ocasionando o vencimento antecipado das demais parcelas. Falta de planejamento
e de boas práticas de gestão, também estão entre as principais causas.

Realizado o levantamento, chega o momento de peticionar ao
juízo o pedido de recuperação judicial.

Petição Inicial

Os requisitos da petição inicial estão previstos no art. 51
da Lei 11101/2005. Vou citar apenas alguns deles para que o texto não fique
cansativo: a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor
e das razões da crise econômico-financeira; as demonstrações contábeis
relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente
para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação
societária aplicável; relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; a
relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer
ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação
e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos
respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação
pendente; a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas
funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o
correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de
pagamento; entre outros.

Próximo passo:

Estando tudo em ordem, o juiz DEFERIRÁ o processamento da
recuperação judicial e no mesmo ato, nomeará administrador judicial (que
funcionará como uma espécie de assessor do juiz para o processo – se tiverem
interesse no papel do administrador, coloquem nos comentários e escreverei
artigo especificamente para tratar dessa figura) e ordenará a suspensão de
todas as ações ou execuções que porventura corram contra o devedor.

Há outras providências a serem despachadas pelo juiz neste
momento, conforme art. 52 da Lei 11101/2005.

Importante destacar que o art. 6º §4º da Lei 11101/2005 determina que em hipótese alguma a suspensão acima descrita ultrapassará o prazo de 180 dias contados do deferimento do processamento da recuperação. Contudo, a prática tem apresentado realidade diversa. O próprio STJ já reconheceu a possibilidade de extrapolamento desse prazo tendo em vista a grande demanda enfrentada pelo Judiciário.

Plano de Recuperação
Judicial

Após o deferimento do processamento da recuperação, o
devedor terá o prazo de 60 dias para apresentação do Plano de Recuperação
Judicial. No plano deverão constar:

– A discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a
ser empregados, conforme o art. 50 da Lei 11101/2005, e seu resumo;

Neste momento o devedor poderá fazer uma proposta para
pagamento de todos os credores de uma forma diferenciada: Ex: Pagar os créditos
trabalhistas integralmente a partir do primeiro ano da recuperação e pagar os
créditos quirografários num prazo de cinco anos, mas com um desconto de 40% no
valor total do crédito atualizado.

Lembrando que quem faz essa proposta é o devedor. Ela tem
que ser feita dentro de parâmetros razoáveis, pois quem vai aprová-la ou reprová-la
são os próprios credores.

O devedor deverá
convencer aos seus credores que a proposta é boa e que a empresa realmente
possui condições de se reerguer.

Outras medidas devem ser utilizadas também, como a venda
parcial dos bens da empresa, a administração compartilhada, o aumento do
capital social, etc.

– Demonstração de sua viabilidade econômica;

Neste item a empresa deve apresentar planejamento baseado
nas projeções de mercado, mediante a reestruturação proposta no Plano de
Recuperação, do faturamento e dos resultados previstos.

O devedor deve demonstrar que a empresa possui viabilidade real
de recuperação.

– Laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e
ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa
especializada.

Assembleia de
Credores

A lista de credores apresentada pela recuperanda; organizada
e atualizada pelo Administrador Judicial será publicada em edital. Caso algum
credor não concorde, poderá apresentar impugnação. Caso seu nome não figure na
lista, poderá apresentar habilitação de crédito.

Logo após o juiz convocará assembleia de credores para
deliberação acerca do Plano de Recuperação Judicial que será presidida pelo
administrador judicial.

Aprovado o plano, a empresa começa a executá-lo. Reprovado o
plano, o juiz decretará a falência.

Existe a hipótese do chamado “cram down”. Explico melhor:

– Para o plano ser aprovado, a votação deve respeitar o
disposto no art. 45 da Lei 11101/2005

– Se a votação não foi suficiente para atingir o disposto no art. 45 o plano é reprovado. Contudo, o devedor poderá solicitar ao juiz que o aprove, desde que cumpridas as exigências do art. 58 §1º da Lei 11101/2005 (seria a hipótese de aprovação por parcela considerável dos credores). A concessão da recuperação pelo juiz sem aprovação completa do plano pelos credores é chamada pela doutrina de “cram down”.

Considerações Finais:

A recuperação judicial, conforme a própria lei dispõe tem
por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira
do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos
trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação
da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

O princípio que impera é o da “continuidade da empresa”.
Neste processo, tanto devedor quanto credores devem agir com muita responsabilidade
para que a Recuperação não se transforme em uma meio apenas para postergar
pagamentos, o que não é admissível à luz do direito.

Infelizmente não pude adentrar em todos os aspectos do
processo, mas espero ter sanado algumas das muitas dúvidas existentes.

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Grande abraço a todos!


[1]
https://noticias.r7.com/economia/brasil-fecha-mais-empresas-do-que-abre-pelo-4-ano-seguido-diz-ibge-17102019