O condenado tem direito a indenização…… e a vítima?

Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o preso submetido a situação degradante e a superlotação na prisão tem direito a indenização do Estado por danos morais.

A decisão se deu em sede de Recurso Extraordinário manejado pela Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul. A tese fixada pelo STF foi a seguinte:

Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento

Os ministros do Supremo decidiram pela concessão de indenização ao apenado como forma ressarci-lo pelos danos morais experimentados.

Após esta paradigmática decisão do STF milhares de ações com pedido similar serão propostas em todo o país, devido ao atual quadro das instituições prisionais. A maioria delas não são capazes de ofertar tratamento digno aos condenados.

O Estado pagará pela sua ineficiência na condução de políticas públicas adequadas para o enfrentamento do caos que se instalou no sistema prisional.

 

Indenização à vítima (aspectos jurídicos)

 

Recentemente publiquei um artigo com o título “Bandido bom é bandido morto” (se você não leu, clique aqui – vale a pena conferir) no blog e recebi muitos feedbacks. A maioria deles se reportavam ao descaso do Estado e da sociedade em geral com relação à vítima, sobretudo no tocante à indenização.

Isto moveu-me a escrever esse artigo para falar um pouco sobre a figura da vítima.

A vítima não foi abandonada ou esquecida pelo ordenamento jurídico, como querem fazer crer diversos críticos da decisão do STF supramencionada.

Na verdade, as modificações introduzidas, sobretudo em 2008, no Código de Processo Penal (CPP) visaram, nas palavras de Távora (2010), retirar da vítima o título de “ilustre esquecida”.

Exemplo dessas mudanças, foi a redação do art. 387, inciso IV do CPP, alterado pela lei 11.719/2008:

Art. 387.  O juiz, ao proferir sentença condenatória:

(…)

IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;

Assim, o juiz ao condenar o acusado por crime, deverá fixar na própria sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima. Esta sentença possui natureza de título executivo judicial, conforme art. 515, inciso VI do Código de Processo Civil (CPC).

Claro que existem consequências do crime que são irreparáveis do ponto de vista financeiro. Contudo, as disposições do CPP e CPC visam atenuar o sofrimento das vítimas e seus parentes já que o valor a ser fixado para indenização se refere a danos materiais e também morais.

Nesta senda, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou em 2009, o Manual Prático de Rotinas das Varas Criminais e de Execução Penal, onde estabeleceu o seguinte:

Ressarcimento de danos como efeito da sentença condenatória:

De acordo com a modificação introduzida no CPP, o ressarcimento de danos:

a) passou a ser elemento obrigatório da sentença mediante a fixação de valor mínimo para a indenização, quando houver dano para a vítima;

b) no regime atual, omissa a sentença, é cabível opor embargos de declaração.

c) não distingue entre dano material ou moral;

d) não exige pedido expresso na ação penal;

e) aplica-se aos fatos ocorridos anteriormente à vigência da nova redação do CP;

f) não pode ser determinado quando a absolvição criminal se fundar no art. 386, incisos I, IV e VI, do CP;

g) não pode ser determinado, quando a sentença for absolutória.

 

Segundo a orientação do CNJ, ora em destaque, independentemente de ter o representante do Ministério Público realizado pedido para fixação do valor para ressarcimento dos danos, o magistrado teria a obrigação de enfrentar tal questão. Fixando-se na sentença o valor mínimo para indenização à vítima.

Contudo, a jurisprudência consolidou-se em outra linha. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento no sentido de que há a necessidade de pedido expresso realizado pelo Ministério Público para determinação do quantum indenizatório.

O informativo do STJ n. 0528 traz em destaque tal questão:

Para que seja fixado na sentença valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, com base no art. 387, IV, do CPP, é necessário pedido expresso do ofendido ou do Ministério Público e a concessão de oportunidade de exercício do contraditório pelo réu. Precedentes citados: REsp 1.248.490-RS, Quinta Turma, DJe 21/5/2012; e Resp 1.185.542-RS, Quinta Turma, DJe de 16/5/2011. REsp 1.193.083-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/08/2013, DJe 27/8/2013.

Não é outra a linha seguida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, destaco trecho de recente decisão[1]:

-A fixação do valor reparatório, na esfera penal, poderá ocorrer somente quando houver pedido expresso, quer do representante do Ministério Público ou de eventual assistente de acusação, oportunizando-se, assim, a produção de prova em sentido contrário e, com isso, o regular exercício do contraditório, além de ser necessário existir nos autos elementos balizadores do valor do dano sofrido.
-Ausentes parâmetros mínimos para demonstrar e valorar o prejuízo suportado pelas vítimas e a reparação justa, não estão atendidos os requisitos que possibilitam a indenização material mínima prevista no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.
-É cabível o arbitramento de honorários advocatícios ao defensor dativo em razão de sua atuação nesta instância revisora.

A jurisprudência, como visto, se curva à necessidade de se estabelecer o contraditório e a ampla defesa, garantias constitucionais, para determinação da valor mínimo de indenização à vítima e/ou aos seus parentes.

Não havendo pedido expresso, nem elementos suficientes para sua determinação, não há nulidade na sentença prolatada sem a determinação desses valores.

 

O que é ação civil ex delicto?

 

A vítima, caso tenha sofrido dano passível de indenização, deverá pleitear junto ao juízo cível a devida reparação. Esta é a chamada ação civil ex delicto.

Segundo Nucci (2008), trata-se de ação ajuizada pelo ofendido, na esfera cível, para obter indenização pelo dano causado pelo crime, quando existente.

Ainda que a sentença penal condenatória não tenha determinado o valor mínimo para indenização ou tenha determinado valor insuficiente à reparação pelo dano sofrido, é possível à vítima ou seus sucessores ajuizar a competente ação civil ex delicto.

A doutrina reconhece duas formas alternativas e independentes para que a vítima busque o ressarcimento pelo dano que lhe foi causado (LIMA, 2016):

1 – Ação de execução ex delicto:

Possui fundamento no art. 63 do Código de Processo Penal (CPP).

Art. 63.  Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Ocorrerá nos casos em que o valor da indenização está previsto na sentença penal condenatória.

2 – Ação civil ex delicto:

Possui fundamento no art. 64 do Código de Processo Penal (CPP).

Art. 64.  Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.

É, na verdade, uma ação ordinária de indenização. Poderá ser movida, independentemente da fase em que se encontrar o processo criminal. Noutro rumo, também será possível nos casos em que a sentença penal condenatória não contemplar o valor mínimo para reparação.

Ex: Fulano foi condenado por tentativa de homicídio. Ele desferiu 06 facadas em Beltrano, que passou por várias cirurgias e internações hospitalares até se recuperar fisicamente. Passou ainda por tratamento psiquiátrico para se livrar do trauma sofrido. Beltrano, no período em que esteve sob cuidados médicos, deixou de exercer suas atividades como profissional liberal.

No caso hipotético, Beltrano teria direito à reparação pelos danos materiais e morais sofridos, desde que os comprovasse devidamente.

Ressalto que o juiz da ação civil, conforme art. 64 parágrafo único do CPP, poderá suspender o seu curso, para aguardar o julgamento definitivo na esfera penal. Esta medida tem a finalidade de evitar decisões conflitantes.

 

Indenização à vítima na prática

 

Saindo da teoria e adentrando ao mundo real, o que se vê é pouca efetividade às determinações do Código de Processo Penal concernentes à reparação do dano à vítima.

São vários os fatores que contribuem para esse quadro, como por exemplo, a faalta de pedido expresso na esfera penal.

Apesar do posicionamento do CNJ, conforme já aludido anteriormente, impera na jurisprudência o entendimento de que o pedido para determinação do valor indenizatório deve ser expresso, o que na maioria das vezes não é feito pelo Ministério Público.

Assim ocorre para que seja possível a ampla defesa e o contraditório.

Neste cenário, ganha fundamental importância o papel do assistente da acusação haja vista ser ele o principal interessado em municiar o juiz com elementos capazes de autorizar a quantificação da indenização que lhe é devida (LIMA, 2016).

A falta de conhecimento das vítimas e seus familiares acerca da possibilidade de reparação e até mesmo de condições para contratar advogado para elucidar essas questões, também contribuem para tornar letra morta as disposições do CPP neste sentido.

Todavia, conforme supramencionado, a omissão do Ministério Público com relação ao pedido para fixação do quantum indenizatório não constitui obstáculo à devida reparação, que poderá ser manejada no juízo cível.

Caso a vítima ou seus sucessores não possuam condições para contratação de advogado para proposição da ação civil ex delicto, a Defensoria Pública deve ser acionada para assegurar esse direito.

Nas localidades onde não há defensoria, o próprio Ministério Público, segundo o art. 68 do CPP e entendimento consolidado do STF[2], atuará na defesa dos interesses da vítima.

 

E o condenado que não possui condições?

 

Nos casos em que o condenado não possui condições financeiras para arcar com a indenização à vítima, a ação civil ex delicto acaba por não atingir o seu escopo.

Daí mostra-se bastante interessante e sensata a ideia do promotor Luciano Gomes de Queiroz Coutinho, do município de Piracicaba (SP).

Após a decisão do STF de indenização aos presos submetidos a situação degradante, a qual fiz menção no início deste artigo, o referido membro do Ministério Público, solicitou ao judiciário um levantamento de eventuais pedidos reparação manejados pelos condenados.

Conforme noticiado pelo portal de notícias G1, o promotor pretende usar a informação para tentar fazer com que aqueles presos que não pagaram demandas indenizatórias às quais também foram condenados possam finalmente quitar sua dívida com a Justiça. Segundo ele:

É fato notório que a grande maioria dos condenados pela prática de crimes não indeniza suas vítimas, nem paga integralmente as multas e prestações pecuniárias inseridas em suas condenações criminais, como deveria. Considerando que significativa parcela de autores de delitos não possui patrimônio declarado, os débitos raramente são quitados.

Estratégia louvável que possibilitaria de um lado, a indenização ao condenado que se encontra em estabelecimento que não lhe garante dignidade e por outro a devida reparação àqueles que mais sofreram com o crime, a vítima e seus familiares.

 

Considerações Finais

 

Indenizar a vítima ou seus sucessores não é apenas medida realizadora de recomposição patrimonial, vai muito além disso. Estabelece a aplicação de uma justiça completa, que pune e exige a reparação pelo dano causado.

Como visto, a reparação dos danos esbarra, principalmente, na omissão de alguns órgãos públicos e no desconhecimento da população em geral. Tais circunstâncias inviabilizam o ajuizamento das ações específicas.

Toda essa conjuntura aliada à insuficiência de políticas públicas acabam por fomentar a ideia de que a vítima é de fato uma ILUSTRE ESQUECIDA. Tomara que um dia essa triste realidade tenha seu fim.

 

Grande abraço a todos!

 

Gostou do artigo? Compartilhe com seus amigos e curta nossa FanPage…

 

Faça seu cadastro e receba em primeira mão todas as novidades do blog…

 

[1] TJMG: Apelação Criminal 1.0024.15.199323-5/001 – 1993235-45.2015.8.13.0024 (1) – Des.(a) Wanderley Paiva – Publicado em 10/02/2017

[2] STF, Tribunal Pleno, RE 135.328/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 29/06/1994, DJ 20/04/2001. Em sentido semelhante: STF, 1ª Turma, RE 147.776/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19/05/1998, DJ 19/06/1998, p. 136; STJ, 4ª Turma, REsp 219.815/SP, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias – Juiz Federal convocado do TRF/1ª –, j. 11/11/2008, DJe 24/11/2008. Reconhecendo a legitimação extraordinária do Ministério Público para promover, como substituto processual, a ação de indenização ex delicto em favor do necessitado quando, embora existente no Estado, os serviços da Defensoria Pública não se mostrarem suficientes para a efetiva defesa da vítima carente: STJ, 4ª Turma, AgRg no Ag 509.967/GO, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 12/12/2005, DJ 20/03/2006 p. 276.




Direito ao Esquecimento x Direito à Informação

Direito ao esquecimento. O que é?

É o direito que a pessoa possui de não ser lembrada por fatos e situações passadas que possam lhe trazer sofrimento, vergonha ou qualquer outro sentimento violador da dignidade da pessoa humana.

O direito ao esquecimento ilustra bem aquele jargão popular: “Colocar uma pedra sobre o assunto”.

 

Vamos a uma fato hipotético para ilustrar o direito ao esquecimento:

Imagem: Direito ao esquecimentoConsidere determina situação em que uma pessoa é submetida a um crime cruel, que tenha causado grandes traumas não só à própria vítima, mas a toda sua família. Dor que se tornou mais forte ainda devido às constantes divulgações na TV, Rádio, redes sociais etc.

Pois bem, naquele momento da ocorrência do crime, inegável o direito à divulgação (liberdade de imprensa) que dá fundamento à atividade jornalística. Apesar de, na prática, a constante divulgação acabar por revitimizar a pessoa ofendida e fazer com que ela vivencie aquele sofrimento psíquico novamente, a Constituição Federal de 1988 ampara aquela atuação.

Contudo, imagine que passados 20, 30, 40, 50 anos da ocorrência desse crime, momento em que, talvez, toda a sociedade, inclusive a vítima, já tenham superados os estigmas e vestígios dos fatos e todos convivem, agora, normalmente com as barbaridades sofridas, presenciadas e esquecidas. Neste cenário, a grande mídia ressuscita aquele ilícito penal em forma de reportagem, em que explicita detalhes da ocorrência, utilizando-se de atores que simulam cada etapa daquele delito, expondo nomes da vítima e do seu algoz, familiares e amigos.

Esta ação acaba por trazer um sofrimento recidivo à vítima que volta a enfrentar o sabor amargo da violência à sua dignidade, dessa vez perpetrada pelos meios de comunicação.

O direito ao esquecimento busca proteção exatamente a essa pessoa que não quer mais ser lembrada por algo que tanto sofrimento lhe trouxe.

Esta tese coloca em discussão algumas questões:

– Teria a vítima ou seus familiares o direito ao esquecimento? (Ou seja, não serem lembrados por situações passadas que lhe tragam sofrimento e angústias)

– Quais os limites para a liberdade de imprensa?

São perguntas complexas que nossa legislação não responde e nem mesmo os tribunais pátrios conseguiram solucionar de maneira pacífica, afinal, entram em colisão dois princípios abarcados pela nossa Carta Magna:

 

Liberdade de Expressão e Informação

X

Direito à vida privada, à honra e à intimidade da pessoa (dignidade da pessoa humana)

 

A colisão entre direitos fundamentais:

Com a crescente evolução dos meios de comunicação, alavancados pelo uso da internet, sobretudo dos seus potentes buscadores de conteúdo, a informação se tornou algo acessível a qualquer pessoa.

É possível verificar documentos antigos, fatos históricos de qualquer natureza, até mesmo simples ocorrências noticiadas em jornais de outras épocas a qualquer momento, bastando para isso um clique.

Tal situação de conforto àqueles que buscam a informação trouxe consigo um grande dilema relacionado àqueles atores da notícia, ou seja, as vítimas, familiares, amigos e até mesmo para os ofensores. Teriam eles o direito a serem esquecidos?

Nesta linha, muito tem se discutido na doutrina e nos tribunais acerca de qual interesse deve prevalecer: o interesse geral relacionada à manifestação de pensamento (que engloba a liberdade de imprensa) e de outro lado, o interesse individual de preservação da honra e da privacidade, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana.

O Supremo Tribunal Federal no ano de 2015 foi instado a se manifestar em sede de Recurso Extraordinário acerca de situação que envolve um crime cometido há mais de 50 anos e que foi foco de um trabalho jornalístico realizado por uma grande rede de televisão. Os familiares da vítima se sentiram ofendidos e ingressaram com ação exigindo a reparação sob o fundamento do direito ao esquecimento. Abaixo os dados do processo:

ARE 833248 RG / RJ – Rio de Janeiro
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo
Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI

Direito Constitucional. Veiculação de programa televisivo que aborda crime ocorrido há várias décadas. Ação indenizatória proposta por familiares da vítima. Alegados danos morais. Direito ao esquecimento. Debate acerca da harmonização dos princípios constitucionais da liberdade de expressão e do direito à informação com aqueles que protegem a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da honra e da intimidade. Presença de repercussão geral.

 

A repercussão geral da questão foi reconhecida, porém o seu julgamento final ainda não foi realizado e certamente não será dos mais fáceis, já que se encontram em conflito (colisão) direitos fundamentais de grande envergadura previstos na CF/88.

O conflito se evidencia à medida que ao se reconhecer um direito acabe por violar o outro e vice-versa. Assegurar no caso concreto citado o direito à liberdade de imprensa significa negar o direito à honra e privacidade (dignidade da pessoa humana) dos autores. E, da mesma forma, aceitar esse segundo significaria negar no caso concreto a efetividade do primeiro.

Noutro norte, existem exemplos de direito ao esquecimento no nosso ordenamento que viabilizam outros direitos.

 

Legislações brasileiras que abordam o direito ao esquecimento:

– Artigo 202 da Lei 7210/84 (Lei de Execuções Penais):

Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

– Art. 43, § 1º da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor):

Art. 43 – O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.

– Art. 143 da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), alterado pela Lei 10.764/2003:

É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional. (Parágrafo único). Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome.

– Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet):

Art. 3°: A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

(…)

II proteção da privacidade;

III proteção dos dados pessoais, na forma da lei.

Art. 7°: O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

 

Conclusão:

O direito ao esquecimento possui ramificações em vários títulos do nosso ordenamento pátrio. Entretanto, não há legislação específica que delineia com suficiente propriedade os contornos desse importante instituto, que ganha corpo a cada dia, sobretudo com a massificação das informações, promovida pela internet e seus potentes buscadores de conteúdo.

Os nossos tribunais já reconheceram em situações concretas o direito à determinada pessoa de ter excluído seu nome de alguns dos motores de busca como forma de garantir sua dignidade (dando efetividade ao direito ao esquecimento) e por outro lado, já negou a exclusão em nome do direito à liberdade de expressão, informação.

O STF ainda não firmou entendimento pacificado acerca da situação, apenas foi reconhecida, conforme anteriormente citado a repercussão geral do tema no ARE 833248 RG / RJ. Por outro lado, a Procuradoria Geral da República (PGR) já se manifestou pelo não provimento do recurso extraordinário por não ter verificado no caso concreto violação aos direitos da personalidade. Importante frisar que a PGR não nega a existência do direito ao esquecimento, apenas argumenta que a sua verificação deve se dar no caso concreto, vez que não há legislação específica.

Resta aguardar o posicionamento definitivo do STF que certamente servirá de paradigma para a solução de casos idênticos.

 

Grande abraço a todos!




Indiretas Já!

Como assim? Indiretas Já? O texto está errado?

Não, infelizmente não.

Com as recentes descobertas da operação Lava Jato que apontam a realização de crime comum pelo Presidente da República, já se cogita no meio político, a sua renúncia ou processo de impeachment.

Porém, no caso de afastamento do Presidente, seriam convocadas eleições indiretas (apenas os parlamentares votariam).

Antes de continuar a leitura, cadastre-se e receba todas as novidades do blog.

Vamos entender um pouco mais sobre isso.

 

Crime de Responsabilidade

 

Em uma tradução literal, “impeachment” seria uma “impugnação”. No Brasil, como em outras partes do mundo, a expressão é utilizada para nomear o procedimento para cassação daqueles que ocupam cargos públicos de maior expressão, independentemente da esfera federativa, como prefeitos, governadores, presidente, ministros, entre outros, pela prática dos chamados crimes de responsabilidade.

Em caso de crime de responsabilidade o julgamento do Presidente seria realizado pelo Legislativo e não pelo Judiciário. No procedimento previsto no ordenamento pátrio, a Câmara dos Deputados realizaria o juízo de admissibilidade do processo (verificaria os pressupostos da denúncia – recebimento ou não – e para prosseguimento do procedimento) e o Senado Federal o julgamento propriamente dito.

Este instituto está previsto no art. 85 e 86 da CRFB/88. Vejamos o que dispõe o art. 85:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV – a segurança interna do País;

V – a probidade na administração;

VI – a lei orçamentária;

VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

 

Alguns deputados já protocolaram pedido para o impeachment de Michel Temer.

 

Crimes Comuns

 

Nos crimes comuns o Presidente goza da chamada irresponsabilidade penal relativa. Significa que ele só pode ser processado por crime comum ocorrido na vigência do mandato e em função do cargo.

Segundo Novelino (2016):

Durante a investidura, portanto, o Presidente da República não poderá ser responsabilizado penalmente por infrações cometidas antes do mandato ou durante o seu exercício, mas que não tenham relação com as funções inerentes ao cargo.

Tal prerrogativa está disposta no art. 86, §4º da CF/88.

No caso de cometimento de crime comum no exercício do mandato, o Presidente será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após autorização da Câmara de Deputados (são necessários os votos de, pelo menos, 2/3 dos deputados).

 

Qual o crime o Presidente teria cometido?

 

Caso as informações vazadas e publicadas pelos jornais sejam verdadeiras, a conduta realizada pelo Presidente poderia se configurar como uma espécie de obstrução à justiça.

Como no Brasil não existe esse tipo penal específico, o seu enquadramento seria feito na Lei 12850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), em seu art. 2º, § 1º, que assim determina:

 

Art. 2º  Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

§1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. (…)

 

Segundo os portais de notícias, o Presidente teria aprovado a entrega de valores ao ex-deputado Eduardo Cunha, para que ele mantenha o silêncio.

 

Quem assume o Governo?

 

Num eventual afastamento do Presidente Michel Temer, seja por crime de responsabilidade ou por crime comum, assume o próximo da linha sucessória, o Presidente da Câmara, Dep. Rodrigo Maia.

 

Eleições Indiretas

 

Importante destacar que o deputado assumiria, mas teria o dever constitucional de convocar eleições para o cargo de Presidente da República.

Conforme art. 81 da CF/88:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1.° Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

§ 2.° Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.

A citada disposição constitucional deixa claro que, ocorrendo a vacância nos dois primeiros anos do mandato a eleição será direta (todos os eleitores aptos votarão). Ocorrendo nos dois últimos anos do mandato, a eleição será feita pelo Congresso Nacional (eleições indiretas).

Caso o Presidente seja afastado, o caminho é a ELEIÇÃO INDIRETA.

Nesta hipótese, seriam eleitos presidente e vice-presidente para um mandato tampão (apenas completariam o tempo que falta para terminar o mandato).

Apenas os membros do Congresso Nacional estariam aptos a votar nos candidatos habilitados. Aquele que obtiver maioria absoluta vence.

 

Eleições Diretas

 

Existe um grupo no Congresso Nacional lutando pela modificação do texto constitucional. Essa alteração visa estabelecer a eleição direta como regra, mesmo para os casos em que o afastamento do presidente e vice-presidente se dê nos últimos dois anos de mandato.

Por enquanto a regra que prevalece é a das eleições indiretas.

Este é o único caso admitido na legislação brasileira para realização de eleições indiretas (na chamada dupla vacância – situação em que presidente e vice-presidente são afastados).

 

Grande abraço a todos…

 

Cadastre-se e receba as novidades do blog

 

Curta nossa FanPage…




A Lei de Licitações (Lei 8.666/93) e a Petrobrás

O Estado deve buscar a satisfação dos interesses dos cidadãos, cumprindo as suas finalidade precípuas determinadas pela Constituição Federal de 1988 (CF/88). Saúde, Educação, Segurança, Transporte, Lazer estão entre as tantas obrigações estatais.

Para alcance desses objetivos o Poder Público deve adquirir bens e contratar serviços com os particulares, pois não poderia produzir todo o necessário para consecução de suas atividades. Imagine só se o próprio Estado tivesse que produzir e beneficiar todos os produtos de que necessita? Seria necessária uma estrutura de tamanho sem igual e mantida por uma tributação sem limites. Impensável uma hipótese desse tipo.

Assim, o Estado busca os particulares para lhes fornecer os bens e serviços de que necessita. Contudo, deve utilizar-se de procedimentos específicos para garantir que todos aqueles que queiram contratar com o Poder Público tenham iguais condições de assim fazê-lo.

Desta forma, é realizada uma competição entre eles, quem vence será contratado, firmando o contrato. Esse procedimento competitivo é chamado de Licitação.

A licitação faz a ponte entre o Poder Público e o particular. Os procedimentos para sua realização estão previstos basicamente nas Leis 8.666/93 (Lei geral de Licitações e Contratos) e 10.520/2002 (Lei do Pregão).

Quanto maior o volume da contratação, mais complexo será o rito procedimental estabelecido pela legislação.

As empresas que pretendem fornecer ao Poder Público devem possuir documentação idônea, apresentando para essa comprovação, diversas certidões negativas que demonstram não haver débitos com o próprio Estado, entre outras exigências.

Os atos do procedimento devem ser publicados, resguardando todos os princípios da Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

 

Quem deve se submeter ao regime das Licitações?

Segundo o art. 1º da Lei 8.666/93 (lei geral de Licitações e Contratos), todos os órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela união, estados, distrito federal e municípios.

Quanto à administração direta, não restam dúvidas quanto à aplicação da Lei geral de Licitações, uma vez que segue o regime de direito público.

Em tese, conforme visto, as empresas públicas e sociedades de economia mista (estatais), como é o caso da Petrobrás, mesmo possuindo natureza de direito privado, também devem obediência ao referido dispositivo. Além disso devem prestar contas ao TCU, realizar de concurso público, observar os princípios estabelecidos no art. 37 da Constituição da República.

Já falei um pouco mais acerca das estatais no artigo “O que é privatização? (clique aqui para acessar o artigo).

 

Porque a Petrobrás não se submete ao regramento da Lei geral de Licitações e Contratos?

Imagem com a frase: Licitação, porque na Petrobrás é diferenteDesde a quebra do monopólio estatal na exploração e distribuição de petróleo ocorrida na década de 90, a Petrobrás passou a concorrer com outras empresas da iniciativa privada.

Como disse anteriormente, a licitação é um procedimento complexo e burocrático, e sua finalização em muitas vezes pode demorar bastante, em vista da possibilidade de recursos e outros meios impugnativos.

Enquanto as concorrentes estavam livres das amarras que limitam a atuação dos entes públicos, a Petrobrás se veria presa e, consequentemente, não teria condições de brigar no mercado, por conta da precariedade e burocracia dos seus instrumentos de gestão (essa foi a tese levantada à época).

Assim, foi criado um regime diferenciado e simplificado para a Petrobrás, visando dar celeridade nos procedimentos para contratação de particulares e desburocratizando o seu andamento. Na verdade, as normas de direito público foram flexibilizadas para atendimento à Petrobrás.

A Petrobrás então deixou de seguir o regramento previsto na Lei 8.666/93 e passou a se orientar pelo Decreto 2.745/98, que tem fundamento de validade no art. 67 da Lei 9.478/97, normas que estabeleceram o procedimento diferenciado e simplificado.

 

O procedimento Licitatório Simplificado da Petrobrás é constitucional?

Há posicionamentos nos dois sentidos (pela constitucionalidade e pela inconstitucionalidade):

– Pela Constitucionalidade:

. A Petrobrás é exploradora de atividade econômica e exerce suas atividades em regime de concorrência com os entes da iniciativa privada, adequando-se ao que determina o art.  119 da Lei geral de Licitações e Contratos;

. A Petrobrás, empresa integrante da Administração Indireta, está submetida ao princípio da legalidade e, portanto, deve cumprir o art. 67 da Lei n° 9.478/97 e o Decreto n° 2.745/98, que permanecem vigentes, e determinam que os contratos celebrados por ela, para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, afastando a aplicação da Lei n° 8.666/93;

 

– Pela Inconstitucionalidade:

. O art. 37 da CF/88 não exclui as estatais da obediência aos princípios da Administração Pública;

. As estatais administram recursos públicos e, portanto, devem se submeter aos regramentos de controle e procedimentos inerentes ao Poder Público.

. As estatais não tem no lucro o seu objetivo fundamental e, portanto, perfeitamente possível a submissão aos ditames regentes da Administração Pública.

. O art. 173 da CF/88 determina que lei ordinária discipline o regime de licitações no âmbito das estatais que exercem atividade econômica, o que até o presente momento não ocorreu. Devendo permanecer como regra a aplicação da Lei 8.666/93, excepcionando-se a sua aplicação apenas em casos que possam inviabilizar o andamento de suas atividades.

 

O Tribunal de Contas da União já manifestou-se em mais de uma oportunidade pela inconstitucionalidade da regime licitatório simplificado na forma como está. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal (STF) nas hipóteses em que foi chamado a decidir acerca dessa situação (em sede de controle concreto), deliberou pela sua constitucionalidade, em análise liminar de vários mandados de segurança.

 

O regime Licitatório Simplificado foi o responsável pelos desvios e corrupções na Petrobrás, descobertas pela operação Lava Jato?

É claro que não. Logicamente a fragilidade nos procedimentos previstos no decreto 2.745/98 facilitam a atuação de pessoas que não tenham compromisso com o interesse público. Assim, entendo que o regime licitatório simplificado da Petrobrás colaborou para a ocorrência dos desvios, conforme temos acompanhado pelos meios de comunicação.

Só para exemplificar o procedimento previsto para a Petrobrás prevê que na hipótese em que exista apenas uma empresa cadastrada em determinado segmento, não haveria necessidade de competição, basta contratar diretamente.

A concorrência entre as empresas é que faz com que o Poder Público obtenha a proposta mais vantajosa, em preço e qualidade. Na lei 8.666/93, a contratação direta somente é possível em situações excepcionais. Esta previsão do decreto 2.745/98 não possui afinidade com nenhum dos dispositivos da lei geral de licitações.

Claro que o decreto sozinho não seria capaz de gerar enriquecimento ilícito e prejuízos ao Estado. Agentes públicos de má índole, sem compromisso com o interesse público, pelo contrário, que atuam levados apenas pelos seus egoístas e mesquinhos interesses, trataram de aproveitar-se das tantas brechas normativas. E ainda empregaram outros artifícios para obtenção ilícita de dinheiro público.

 

Apenas a Petrobrás possui esse regime diferenciado?

Não. Já tive oportunidade de escrever acerca dos entes que compõem o chamado sistema “S”, os serviços autônomos (clique aqui para acessar o artigo). São as entidades como o SESC, SEST, SENAT, SESI entre outras. Elas também não se submetem à lei geral de licitações e contratos, apesar de gerirem recursos públicos.

A atual Lei de Licitações e Contratos é adequada para fazer frente a esse universo de corrupção enfrentada pelo país?

Logo logo escreverei artigo explicando melhor sobre a lei de licitações, onde poderei demonstrar mais claramente os seus aspectos. Mas já adianto que a referida norma está ultrapassada e necessita urgentemente de reformas para adequá-la à evolução tecnológica e equipá-la com mais instrumentos para o controle da corrupção.

 

Grande abraço a todos!




O STF e o direito à saúde: distribuição de medicamentos de alto custo

 

“Quem deve morrer?”. Essa pergunta pode parecer estranha, afinal, se há uma certeza na vida é a de que ela é passageira e seu término se dará com a morte. A maior lógica existencial é essa, se nasceu, um dia morrerá. Contudo, todos (ou quase todos) desejam uma vida longa (o mais longa possível) e feliz, e é neste ponto que reside a minha inquietação, pois, vida longa é sinal de saúde.

O debate em torno deste tema se acalora cada dia mais. Quanto mais discute-se o acesso a determinados serviços em saúde, mais a discussão aumenta e se aprofunda.

Na família, na igreja, na escola, na faculdade de direito, em todo lugar ensina-se algo que deve ser levado para todos os lugares: o direito à vida é o mais importante.

Partindo dessa premissa, o constituinte de 88 de forma ousada e brilhante insculpiu no art. 196:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Neste panorama, a garantia à saúde não pode encontrar quaisquer obstáculos à sua efetivação. Garantir esse direito a todos, significa dizer que quaisquer pessoas, impendentemente de raça, credo, condição financeira, ou qualquer outra hipótese discriminatória, poderão e deverão ser atendidos em suas necessidades atinentes a essa área de atuação estatal.

No Brasil essas ações e serviços públicos se desenvolvem no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pelo planejamento, execução e controle dessas políticas. Tal sistema é descentralizado e possui direção única em cada esfera de governo: municipal, estadual e federal.

A abrangência das ações do SUS é tão grande, que no Brasil é simplesmente impossível alguém declarar que não utiliza os serviços por ele prestados. Destaque-se alguns exemplos, quando se adquire produtos em uma farmácia, o SUS está presente desde a liberação da fabricação e distribuição do medicamento, através da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), até a autorização para funcionamento, que deve passar necessariamente pelo crivo da vigilância sanitária municipal; as vacinas distribuídas gratuitamente no Brasil; o programa de vacinação animal (cachorros e gatos); o serviço de atendimento de urgência e emergência (conhecido como SAMU); estratégia saúda da família; hospitais de pequeno, médio e grande porte; entre outros.

As leis 8080 e 8142/1990 estão entre os principais instrumentos normativos do SUS. A primeira dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e a segunda sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde.

Os recursos necessários ao financiamento das atividades do SUS são oriundos dos cofres públicos. União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem, por força constitucional (EC 29/2000 e 86/2015), destinar percentual mínimo de seus respectivos orçamentos para cobertura das ações.

Dentre as atividades executadas pelo SUS no firme objetivo de garantir saúde à população está a política pública de distribuição de medicamentos.

É de conhecimento notório que os medicamentos são drogas utilizadas para o tratamento das mais diversas doenças. Num conceito mais técnico são produtos especiais elaborados com a finalidade de diagnosticar, prevenir, curar doenças ou aliviar seus sintomas, sendo produzidos com rigoroso controle técnico para atender às especificações determinadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA[1].

O Estado deve ofertar, conforme aludido anteriormente, saúde integral à população, o que significa que o acesso aos medicamentos necessários ao tratamento das enfermidades que eventualmente lhe acometa é direito do cidadão.

Apesar de toda essa garantia de acesso, o que se vê é a proliferação de ações judiciais em que se discute o acesso a medicamentos cujo fornecimento foi negado pelos diversos entes federados.

Várias são as justificativas invocadas para que o medicamento prescrito pelo profissional médico não seja entregue ao cidadão que dele necessita. Em muitos casos a discussão é acerca de qual ente seria o responsável pela entrega daquele medicamento específico; em outros o medicamento não consta da relação de medicamentos municipal, estadual ou nacional; há ainda casos de medicamentos ainda não aprovados pela ANVISA; entre outros.

Com o “não” do Estado-Executivo, resta ao cidadão se valer do Estado-Judiciário para ter o seu direito satisfeito. Este fenômeno é mais conhecido por judicialização da saúde, que envolve não só a entrega de medicamentos, mas também, a realização de cirurgias, a busca por vagas em leitos hospitalares, até mesmo a realização de simples consultas especializadas, entre outros.

A partir da decisão judicial municípios, estados e União se veem na obrigatoriedade de entregar os medicamentos. Na maioria das vezes esse encargo recai sobre o município, afinal, é o ente mais próximo da população.

Esta discussão tem ganhado maiores contornos com os debates acerca dos recursos extraordinários 566471 e 657718 que tramitam no STF. Os recursos, que tiveram repercussão geral reconhecida, tratam do fornecimento de remédios de alto custo não disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) e de medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O mérito da questão gira em torno da obrigatoriedade de o Estado fornecer medicamento de alto custo não previsto na lista que é elaborada pelo SUS. No âmbito nacional essa lista é chamada de RENAME – Relação Nacional de Medicamentos. E de outro lado, se o Estado deve ofertar mesmo aquele medicamento que ainda não passou pelos rígidos critérios de análise da ANVISA.

Com relação ao primeiro ponto, data maxima venia, trata-se de discussão sem sentido. Afinal, o fato de existir uma lista de medicamentos elaborada pelo SUS, não significa que todas as possibilidades estão ali contempladas. Afinal, todos os dias novos estudos são desenvolvidos, novos medicamentos são criados para combater os mais diversos males que acometem a humanidade.

Não é plausível estabelecer como critério para o fornecimento de medicamento uma lista elaborada por órgão público. Noutro norte, o fato de o medicamento ter um alto custo, de igual forma, não é critério balizado pela Constituição ou qualquer outra norma.

Em uma análise coberta de um racionalismo prático e desumano poderia se aferir que o que se gasta com o medicamento para salvar a vida de uma única pessoa, daria para adquirir medicamentos para o tratamento de milhares de outras pessoas. Neste caso, como aferir quem deve ser salvo?

A Constituição Federal de 88 ao estabelecer o direito fundamental à saúde não o fez de maneira condicionada, a resposta à questão posta é simples, atendimento integral e universal. O que o dispositivo constitucional já impõe com muita propriedade.

O embate judicial deve se pautar em torno de quem “pagará a conta” e não em torno do acesso ao medicamento. É claro que devem ser estabelecidos requisitos mínimos para o acesso a este tipo de medicamento para que haja a comprovação de sua eficácia e imprescindibilidade.

Negar o acesso a medicamento que comprovadamente seja capaz de garantir a vida de uma pessoa acometida por doença grave ou rara, por mais caro que seja, ainda que não esteja na lista “x” ou “y”, pode significar o encurtamento de uma vida longa e feliz.

Grande abraço a todos.

 

[1] http://www.cvs.saude.sp.gov.br/apresentacao.asp?te_codigo=2




Vai de Uber? Aspectos legais

Uber. Em todo o Brasil a discussão em torno da legalidade do aplicativo Uber tem se intensificado. Taxistas protestam contra a Uber alegando a sua ilegalidade. Consumidores cada dia aderem ao serviço que vem transformando a ideia de transporte privado de passageiros.

Afinal, a Uber é legal? Vejamos….

 

O que é a Uber?

A Uber é uma empresa de tecnologia que desenvolveu um aplicativo que conecta provedores e usuários de serviço de transporte privado.

Na prática, o usuário se cadastra no aplicativo. O aciona quando precisar se deslocar para algum local. O programa rastreia o motorista parceiro mais próximo e envia para o cliente a placa do carro que fará o transporte, a foto do motorista e a avaliação do motorista e veículo feita por outros usuários.

Envia ainda uma expectativa da distância do trajeto e do valor a ser cobrado.

O motorista por sua vez para se cadastrar à Uber deve possuir um carro novo ou seminovo de luxo (ar condicionado etc), entre outros requisitos. Do valor que o motorista recebe do cliente parte é repassado para a Uber.

Ao final do transporte, o cliente avalia motorista e veículo.

 

Os taxis possuem exclusividade para o serviço de transporte público individual de passageiros?

Sim. De acordo com o art. 2º da lei 12468/2011, que regulamenta a profissão de taxista:

Art. 2º – Constitui atividade privativa de taxista a utilização de a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros, cuja capacidade será de, no máximo, 7 (sete) passageiro.

A legislação, ora em destaque, é bem clara quanto à exclusividade dos taxistas para operarem o serviço público de transporte de passageiros.

A referida lei dispõe acerca de vários requisitos que devem ser cumpridos pelos motoristas, destacando seus deveres e direitos, sobretudo, dos taxistas empregados.

 

Uber é LEGAL?

Inicialmente, é importante, classificar o serviço que a UBER oferece, para só então responder à questão proposta.

No Brasil, a lei 12587/2012 instituiu as diretrizes da política nacional de mobilidade urbana. Estabelecendo, dentro da competência da União para legislar sobre transportes (art. 22, incisos IX e XI), além de vários aspectos relacionados à temática, diversos conceitos e classificações importantes para os serviços de transportes.

O art. 3º da referida lei classifica os serviços de transporte da seguinte forma:

– Quanto ao objeto:

. De passageiros

. De cargas

– Quanto à característica do serviço

. Coletivo

. Individual

– Quanto à natureza do serviço

. Público

. Privado

Essa classificação disposta na lei é bastante relevante, à medida que permite a perfeita caracterização de determinado serviço de transporte dentro do que estabelece as diretrizes nacionais de mobilidade.

Partindo da classificação citada, é possível alocar o serviço da UBER da seguinte forma: Transporte de passageiros individual privado.

Assim, percebe-se que a legislação abarca a atividade exercida pelos motoristas parceiros da UBER.

 

Uber x Taxi – Qual o motivo do conflito?

A lei 12587/2012 regulamentou o transporte público individual, mas não o fez com relação ao transporte privado individual. O conceito foi assim estabelecido:

Art. 4º (…)

VIII – transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas;

À primeira vista, neste conceito se enquadraria tanto o serviço de taxi como os do Uber. Contudo, é forçoso salientar que o serviço prestado pelo Uber não possui natureza de serviço público, vez que não possui regramento jurídico próprio de serviço público e não se reveste de essencialidade.

Neste ponto, vou até mais fundo, o próprio serviço prestado pelo taxi deixou, do ponto de vista legal (à luz da lei 12587/2012), de ser considerado serviço público e passou a ser um serviço de utilidade pública. Senão vejamos o art. 12 da lei:

Art. 12.  Os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas.

Art. 12-A.  O direito à exploração de serviços de táxi poderá ser outorgado a qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público local.

1o É permitida a transferência da outorga a terceiros que atendam aos requisitos exigidos em legislação municipal.

2o Em caso de falecimento do outorgado, o direito à exploração do serviço será transferido a seus sucessores legítimos, nos termos dos arts. 1.829 e seguintes do Título II do Livro V da Parte Especial da Lei no10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

3o As transferências de que tratam os §§ 1oe 2o dar-se-ão pelo prazo da outorga e são condicionadas à prévia anuência do poder público municipal e ao atendimento dos requisitos fixados para a outorga.

A legislação faz expressa referência ao serviço de taxi como serviço de transporte público individual e apresenta a sua regulamentação como serviço de utilidade pública.

O que diferencia, portanto, o serviço de transporte público individual (realizado pelo taxi) do transporte privado individual (realizado pelo Uber), segundo o Professor Daniel Sarmento:

O primeiro configura serviço de utilidade pública, que, conquanto pertencente à esfera da atividade econômica “stricto sensu”, se sujeito a intensa regulamentação estatal. Enquanto o segundo é atividade econômica comum, também sujeito à regulação estatal, embora em menor intensidade.

A discussão que surge nesse cenário: De um lado os taxistas que se insurgem contra os motoristas parceiros da Uber, sob a alegação de que o serviço é de exclusividade dos taxistas.

E de outro os motoristas parceiros da Uber que querem exercer o direito à realização de uma atividade econômica não regulamentada. Com base nos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, garantidos constitucionalmente.

Como não há legislação que regulamente as atividade da Uber, em tese, não existe ilegalidade no seu exercício. Atualmente, tanto taxis como motoristas da Uber podem, sob o prisma legal, atuar.

Relembremos as lições básicas do princípio da legalidade aplicável à esfera privada: “O que não está proibido por lei, é permitido fazer”. (clique aqui para ler artigo completo sobre os princípios da administração pública).

 

Posicionamento dos Tribunais

No município de São Paulo foi editada lei que proibia as atividades da Uber. O texto da lei vedava a utilização de carros particulares para transporte remunerado.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) declarou inconstitucional a lei municipal 16279/2015, por entender que lei contrariava o livre exercício de atividade econômica, a livre concorrência e o direito de escolha do consumidor, corolários da livre iniciativa.

Noutra linha, o município estaria invadindo competência da União para legislar acerca de transporte, conforme mencionado anteriormente.

O Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente, NEGOU pedido liminar em que se discutia a decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) que suspendeu lei municipal da capital João Pessoa que vedava o transporte individual de passageiros que não fosse realizado por taxi.

Nota-se uma clara tendência dos tribunais pátrios ao entendimento pela inconstitucionalidade de leis municipais ou estaduais que proíbam as atividades da Uber. É necessário levar em conta que o próprio marco civil da internet também alberga as suas atividades.

 

Considerações Finais

Para amenizar tantos conflitos entre Uber e Taxi é necessária urgentemente a regulamentação do transporte privado individual de passageiros.

Igualmente importante que os nossos legisladores busquem a satisfação do que é interesse público e não apenas interesse de classes específicas.

O Ministério Público do Trabalho tem participado de várias discussões neste sentido e até montou grupo para analisar se existe vínculo de emprego entre a Uber e seus motoristas parceiros.

Aguardemos a regulamentação, enquanto isso. Vai de taxi? Vai de Uber? O consumidor vai escolher o que melhor lhe atende. Tudo legal.

Gostou do artigo? Compartilhe com seus amigos….

 

Leia também:    Direito de greve. O que aconteceu?

O que é privatização? (sou contra ou a favor?)

 

Grande abraço a todos!