Estado Laico – Laicidade e Governo

Estado Laico. Ultimamente temos assistido a diversas discussões, sobretudo na esfera parlamentar, acerca de divergências em torno de questões que envolvem o discurso religioso. Temos no deputado Bolsonaro, um exemplo muito claro disso.

Importante entendermos de uma vez por todas, o que significa a expressão Estado Laico? Afinal, o Brasil é ou não é um Estado Laico?

Vejamos:

 

O que é laicidade?

A laicidade impõe ao Estado uma postura não confessional frente aos diversos movimentos religiosos, respeitando e assegurando o pluralismo. Significa dizer que o Estado não professa ou adota religião alguma, contudo, tolera, respeita e resguarda o direito de todos em professar alguma religião, ou mesmo não professar. É a Constituição Federal de 88 que determina a liberdade religiosa e a neutralidade estatal.

As disposições constitucionais que garantem a liberdade de crença e de cultos, estão previstas no art. 5º, incisos VI, VII e VIII da CF/88:

Art. 5º (…)

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Apesar de ser um Estado laico, o Brasil DEVE assegurar a livre manifestação das religiões em geral e também daqueles que não professam religião alguma.

A Constituição Federal de 88 faz menção a Deus em seu preâmbulo e tal situação já foi objeto de questionamento em sede de controle de constitucionalidade junto ao STF. Como pode um país que se diz leigo ou laico suscitar a proteção da divindade em seu texto?

O que deve ficar claro é que o Deus descrito no preâmbulo não se refere a uma religião específica. Trata-se, na verdade, de um reforço à laicidade estatal, nas palavras de Alexandre de Moraes.

Esta liberdade de convicção religiosa, descrita no texto constitucional, deve ser analisada da forma mais ampla possível. Garantindo e protegendo àqueles que professam sua fé, suas crenças e também aqueles que não professam.

 

 

Laicidade x Laicismo

A laicidade, conforme dito anteriormente, agrega aos direitos fundamentais do cidadão a sua liberdade de crença. Já o laicismo seria um modelo de comportamento antirreligioso, em que o Estado deve excluir, em sua totalidade, questões de cunho religioso da esfera pública.

Tal situação não ocorre no Brasil. Primeiro porque é impossível exigir uma conduta neutra dos mandatários do Poder, a frente do governo. Segundo, porque ao excluir de forma plena as questões religiosas, estaríamos privilegiando a parcela da população que não professa religião alguma em detrimento das que professam.

Observem que há uma tênue linha que separa uma situação da outra. Se de um lado as ideias baseadas apenas no sentimento religioso não podem fundamentar a atuação estatal. Em outra dimensão, a atuação totalmente afastada dessa discussão de igual forma constitui-se em critério discriminatório.

 

Estado Laico x Estado Ateu

O fato de o Brasil ser um Estado Laico não o leva a, consequentemente, ser considerado um Estado Ateu. Segundo o dicionário online Michaelis:

Ateu (adj sm) – 1 Que ou aquele que não crê em Deus; ateísta. / 2 Que ou aquele que não demonstra respeito, deferência ou reverência para com as crenças religiosas alheias; herege, ímpio.

Esta definição de Ateu não se adequa à relação existente entre Estado e Religião, estabelecida na Constituição. Nela há o reconhecimento das religiões e da sua importância no contexto da esfera individual do cidadão, que mesmo encarcerado, tem direito fundamental à sua prestação, se assim o desejar.

Um outro conceito muito difundido nos dias atuais é o Agnosticismo, segundo o dicionário online Michaelis:

Agnosticismo (sm – 1 Atitude filosófica e religiosa daqueles que afirmam que ideias metafísicas, como a existência de Deus e a imortalidade da alma, não podem ser provadas nem negadas (termo criado em 1869 por Thomas Henry Huxley (1825-1895). / 2 Qualquer doutrina que afirma a impossibilidade de se conhecer a natureza última das coisas.

Destarte, os religiosos, ateus e agnósticos encontram, de maneira isonômica, proteção às suas convicções no bojo da Constituição Federal de 88.

 

Governantes Religiosos

Estado laicoInicialmente, é importante destacar a diferença entre Estado e Governo. Estado é uno, indivisível e perene, é a estrutura que garante o bem estar de todos e se triparte em três funções: executivo, judiciário e legislativo.

Já o governo é núcleo decisório do Estado. É temporário, eleito mediante escolha popular. É quem administra a estrutura do Estado.

Mesmo o Brasil sendo um Estado laico, a cada eleição se multiplicam os candidatos originários de determinadas denominações religiosas. Neste caso, haveria ofensa à Constituição?

Conforme mencionado, é impossível exigir de uma pessoa completa neutralidade em sua atuação. É até possível exigir imparcialidade, assim como as normas processuais exigem do juiz. Mas neutralidade não, pois diz respeito à carga valorativa adquirida com a experiência de vida de cada um.

O fato de um deputado se intitular representante no congresso de eleitores de determinada religião não lhe retira a legitimidade do mandato. Pelo contrário, o direito ao sufrágio (consagrado na CF/88), dá a liberdade ao cidadão de escolher quem melhor representa seus interesses.

O fato de um governante professar uma fé ou cultuar a Deus não lhe retira o direito a ocupar cargo público. Lembremos que, antes de agente político, ele é cidadão. E, como cidadão, possui a sua liberdade de crença assegurada. Vejam que estamos diante de uma relação quase cíclica.

O que é vedado ao mandatário (seja ele membro do executivo ou legislativo) é utilizar-se de sua liberdade de crença para a perseguição ou intolerância contra aqueles que não professam a sua fé ou não professam fé.

Igualmente vedado a concessão de benefícios não previstos na CF/88 a qualquer religião. A atuação parlamentar ou executiva deve ser realizada nos exatos limites estabelecidos pela Constituição.

Noutro norte, as parcerias para consecução de atividades afins não encontram vedação constitucional. Exemplo exitoso é o método APAC para cumprimento de pena que encontra na religião um fator essencial na recuperação dos apenados.

 

Considerações Finais

Como a maioria dos direitos fundamentais, a liberdade de crença e de culto não são absolutos e devem ser exercidos em conformidade com as demais normas do nosso ordenamento. Havendo conflito entre esse direito e outro igualmente tutelado pela CF/88, a ponderação de interesses deve ser aplicada ao caso concreto.

 

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A supremacia do interesse público e a crise de representatividade

 

 

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Supremacia do Interesse Público e a crise de representatividade

A supremacia do interesse público deve estar presente nas ações estatais. É através dela que o Estado legitima ações que, apesar de interferir no direito de alguns cidadãos isoladamente considerados, refletem no atendimento à coletividade.

O problema é que as pessoas que elegemos para nos representar acabam por se desviarem do interesse maior de proteção ao que é de todos. A crise vivenciada pelo Brasil não deixa dúvidas quanto a isso.

Vejamos alguns conceitos e debates em torno dessa temática.

 

Princípio da Supremacia do Interesse Público

O princípio da supremacia do interesse público não está explicitamente previsto na Constituição Federal de 88, mas possui contornos tão importantes, que a doutrina o classifica como SUPRA princípio, ou seja, um princípio de ordem superior.

A ideia central da supremacia é a de que o interesse público deve estar à frente, guiando as atividades do Estado. O Poder Público deve perseguir a todo custo o chamado interesse público primário. Ainda que para isso seja necessário se valer de mecanismos (previstos em lei) que relativizem o direito de terceiros.

A desapropriação é um claro exemplo. Ela ocorre quando o Estado retira, de maneira forçada, a propriedade de uma pessoa, em regra, mediante indenização justa, prévia e em dinheiro.

Para a pessoa que teve o seu direito de propriedade relativizado, a desapropriação é injusta. Por outro lado, o fim maior do Estado é o interesse da coletividade, e em nome desse interesse pode assim proceder.

A supremacia do interesse público dá ao Estado, portanto, os instrumentos para garantir à coletividade a prevalência do seu interesse.

Indisponibilidade do Interesse Público

A Supremacia do Interesse Público encontra limites neste outro supra princípio, o da indisponibilidade. Devemos entender que coisa pública é algo que pertence a todos.

O gestor da coisa pública não é seu dono é apenas gestor. Os donos (todos nós) delegamos competência, através de um mandato, para que ele, em nosso nome, exerça a administração desses bens.

Assim, a legislação impõe limitações nessa atuação para que as melhores práticas sejam realizadas. Deseja adquirir bens? Deve realizar procedimento licitatório. Deseja contratar pessoal? Deve realizar concurso público. Pretende alienar bens público? Deve seguir todos os parâmetros determinados por lei. E assim por diante.

Toda a conduta do gestor público é limitada pela legislação e demais princípios. Eles dispõem de regras rígidas (burocracia administrativa) para garantir que a atuação estatal não se desvie da finalidade maior de atendimento ao interesse público.

Crise de Representatividade

A supremacia do interesse público deve ser assegurada em cada política implementada pelo Estado. O cidadão comum é protagonista de todo o processo, uma vez que é o responsável pela escolha dos gestores públicos.

O direito de sufrágio, patrimônio fundamental do cidadão, concede a possibilidade de efetiva participação na vida política do Estado. É através dele que o cidadão vota e pode ser votado.

Escolhemos, de 02 em 02 anos, em eleições diretas, as pessoas que farão parte do núcleo decisório estatal. Presidente, senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores. Todos, dentro de suas competências, quando eleitos, firmam o pacto de defesa dos interesses da coletividade.

Ocorre que, no Brasil, há muito assistimos um completo desvio dessa lógica. O interesse público acaba sendo confundido com o interesse político de grupos no poder.

O cidadão eleitor, salvo honrosas exceções, não consegue enxergar nas ações de seu representante, o reflexo da sua vontade, enquanto parte de uma coletividade.

E nessa toada, a classe política vê o seu prestígio desmoronar com a população em geral. Por conta dos sucessivos fracassos na administração de muitos entes federados e, principalmente, pelos escândalos de corrupção.

A cada nova fase da operação Lava Jato, por exemplo, mais se aprofundam num mar de lama, numa areia movediça que os enterram, ao menos temporariamente, das atividades parlamentares e executivas.

Esta conjuntura leva a população a buscar caminhos alternativos no momento da escolha dos candidatos. Exemplo disso é o da cidade de São Paulo que elegeu um candidato que se diz administrador e não político. Idem Belo Horizonte e tantas outras cidades.

 

Maranhão estava certo?

Quem se lembra do Deputado Waldir Maranhão que substituiu Eduardo Cunha em seu afastamento?

Em poucos dias à frente da Câmara dos Deputados expediu ato anulando todo o processo de impeachment da Presidente Dilma (diga-se de passagem em total afronta ao regimento interno da Casa).

Sem adentrar no mérito politiqueiro de sua decisão, gostaria de apontar algo muito interessante em seu fundamento. O deputado alegou que os seus companheiros parlamentares votaram motivados por conluios políticos (ordenados pelas siglas partidárias). Que não foram movidos pelas suas convicções pessoais representativas do interesse público.

Neste ponto, aplausos.

Diz os arts. 45, 46 e 78 da CF/88:

Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.

Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.

Art. 78. O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.

O interesse a ser defendido por quem ocupa cargo eletivo é o da coletividade e nenhum outro, por mais tentador que seja.

Em situação muito análoga (caso de compra de votos dos deputados), Pedro Lenza argumenta que é possível a declaração de inconstitucionalidade das decisões resultantes desses processos. Seria a inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar.

 

Considerações Finais

O supra princípio da Supremacia do Interesse Público não constitui-se em mera diretriz colaborativa da gestão pública. Este conceito deve ser posto em primeira ordem. A gestão da coisa pública deve ser feita no interesse da coletividade e, qualquer outro colocado à sua frente, padece de legitimidade constitucional.

Nos Estado Unidos a eleição do bilionário excêntrico Donald Trump pode até parecer estranho aos olhos de muita gente. Mas, talvez lá, a população, assim como aqui, esteja cansada dos profissionais da política (no caso Hillary). Muita lógica, mas a meu ver, escolha complicada.

A crise de representatividade brasileira se agrava mais e mais e enquanto isso, o conceito de Supremacia do Interesse Público se esvai nos ralos da impunidade e da corrupção.

 

Grande abraço a todos!

Leia também: Mitos e verdade sobre a PEC 241

A crise afeta o servidor público estável?




A suspensão do Whatsapp viola direito fundamental?

As pessoas que se utilizam do aplicativo de troca de mensagens instantâneas chamado “Whatsapp” amarguraram algumas vezes a suspensão do serviço, em virtude de determinação judicial.

Muitas pessoas elevaram o tom contra o judiciário, demonstrando todo descontentamento com a decisão, segundo alguns, arbitrária e desproporcional. De outro lado, houve aplausos à postura e à determinação para que mesmo empresas de renome internacional respeitassem a legislação brasileira.

Agora o Whatsapp volta à discussão, quando o Ministro do STF Edson Fachin convoca audiência pública para discutir com a sociedade os meandros da questão.

No âmbito do direito constitucional, a grande incógnita que se levanta neste cenário é: a suspensão do Whatsapp viola direito fundamental?

 

Entendamos a questão:

O Whatsapp é um aplicativo de mensagens instantâneas de propriedade da gigante Facebook. O referido aplicativo tem grande popularidade no Brasil pela sua simplicidade e agilidade na troca de mensagens entre os usuários.

O problema surgiu quando, em sede de algumas investigações criminais sob sigilo absoluto, um magistrado determinou ao grupo que controla o aplicativo que realizasse a interceptação de mensagens entre determinados usuários para fins de instrução em processo criminal.

Os representantes da Whatsapp não cumpriram a determinação e, com o objetivo de fazer cumprir o comando judicial, o aplicativo foi suspenso em todo o Brasil.

Essa suspensão ocorreu mais de uma vez, por decisão de juízes de comarcas diferentes, mas praticamente pelos mesmos fundamentos.

À época o PPS (Partido Popular Socialista) ingressou com uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) junto ao STF (ADPF 403), sob a alegação de que a suspensão do Whatsapp viola preceito fundamental da liberdade de expressão e comunicação (art. 5º, IX da CF/88).

 

Os Direitos Fundamentais:

Direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive. (BULOS, 2014)

O conceito acima exposto, explora de maneira profunda o que vem a ser os chamados direitos fundamentais. Em uma lógica jusnaturalista, é possível afirmar que esses direitos fazem parte da essência da pessoa. É o direito à vida, à liberdade, à igualdade, proibição à tortura, liberdade de consciência, direito ao sigilo, inviolabilidade de domicílio e de correspondência, entre tantos outros consagrados pela Constituição Federal.

Características:

Os direitos fundamentais estão previstos na Constituição Federal de 88 e possuem aplicação imediata, não sendo necessária a edição de lei específica para lhes dar efetividade. Segundo a doutrina são direitos históricos (porque são frutos de uma longa evolução), universais (porque extrapolam limites territoriais, alcançando a todos), cumuláveis (porque podem ser exercidos ao mesmo tempo), irrenunciáveis (o indivíduo pode até não exercê-lo e ainda assim o direito continuará a existir), inalienáveis (porque não são passíveis de negociação) e imprescritíveis (porque não se esgotam no tempo).

Todas essas características demonstram o espectro de abrangência dos direitos fundamentais, e o quão são importantes para que a pessoa viva de forma digna em sociedade.

Os Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) têm a obrigação constitucional de proteção aos direitos fundamentais e propiciar, dentro das suas competências, a máxima efetividade de suas disposições.

 

Os direitos fundamentais são ABSOLUTOS?

Os direitos fundamentais, regra geral, não são absolutos, isto porque, a própria Constituição pode estabelecer hipóteses de restrição, em vista à proteção de um bem maior (precedentes do STF).

Existe um ditado popular que ilustra bem essa relatividade dos direitos fundamentais: “O meu direito vai até onde começa o do outro”.

Isso faz todo sentido, um direito fundamental não pode ser exercido em desrespeito à ordem pública ou ao direito do semelhante.

Vejamos o exemplo do direito à liberdade de expressão, prevista no art. 5º, IX da CF/88:

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Esse direito fundamental está assegurado, contudo, não pode a pessoa, valendo-se dele inventar estórias que acabam violando a dignidade, a intimidade, a honra ou a imagem de terceira pessoa (direitos fundamentais igualmente protegidos pela CF/88).

Observem, então, que o direito à liberdade de expressão não é absoluto, encontra limites no próprio texto constitucional.

Outro exemplo muito citado pela doutrina diz respeito ao art. 5º, XII da CF/88

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Esse é o direito fundamental à liberdade das comunicações. Interessante destacar que a mesma disposição que estabelece o direito também estabelece a sua limitação. É possível, por ordem judicial, a interceptação telefônica. Tal restrição não consiste em violação de direito fundamental, pois está fundamentada na Constituição.

Mais uma vez, um direito fundamental relativizado com vistas à proteção de um bem maior, neste caso, a própria sociedade, vítima de algum crime que necessita ser solucionado.

A violação a direito fundamental ocorre quando a intervenção (restrição) no direito fundamental não possui base constitucional.

 

O bloqueio do Whatsapp e a ADPF 403 (argumentos favoráveis)

O PPS (Partido Popular Socialista) ao ingressar com a ADPF alegou que houve violação a direito fundamental na decisão do juiz que mandou suspender o aplicativo Whatsapp.

O partido defende na sua petição que a suspensão do Whatsapp viola o direito à comunicação. Destaca que o aplicativo é um meio “deveras democrático para o cidadão brasileiro se comunicar, quiçá o mais democrático, graças à sua plataforma gratuita, simples e interativa”.

E pede ao final, que o STF reconheça a existência de violação ao preceito fundamental à comunicação, nos termos do art. 5º, inciso IX, com a finalidade de não mais haver suspensão do aplicativo de mensagens WhatsApp por qualquer decisão judicial.

 

Argumentos Contrários

WhatsappNo outro lado da mesa, existem argumentos contrários a este possível reconhecimento de violação a preceito fundamental, assentado nos seguintes pontos:

– O direito à comunicação não é absoluto

– O Whatsapp não está imune à legislação brasileira (tudo começou quando o Whatsapp se recusou a cumprir ordem judicial para proceder à interceptação de mensagens para fins de investigação criminal)

– Caso seja reconhecida a referida violação, os criminosos encontrariam via segura para se organizarem sem a possibilidade de serem monitorados pelos órgãos de segurança.

 

Considerações Finais

Os representantes do aplicativo no Brasil alegam que devido ao sistema de criptografia de mensagens (codificação), apenas remetente e destinatário conseguem visualizar as mensagens trocadas.

Essa discussão está longe de ter um fim. Alguns sites divulgam que em outros países este mesmo tema já é alvo de discussão.

Que o direito à comunicação constitui-se em fundamental e reclama a todo custo a proteção estatal, não há dúvidas. Entretanto, afirmar que o bloqueio de um aplicativo de celular viola tal preceito depende de uma análise cuidadosa e profunda. O que deve estar em pauta é o próprio direito à comunicação e seus limites e não interesses comerciais.

Apenas com o intuito de provocar a discussão acadêmica e sadia em torno deste assunto, lanço a seguinte questão: – Partindo da premissa de que o STF reconheça que o Whatsapp não pode ser suspenso, porque neste caso há violação do direito à comunicação. Caso o Whatsapp passe a cobrar dos usuários um valor pelo serviço de troca de mensagens, tal atitude seria passível de controle estatal?

 

Grande abraço a todos!

 

Leia também: Direito à informação x Direito ao esquecimento

As ações afirmativas e o princípio da Igualdade




Mulheres na política: “Elas gastam menos”

Mulheres na Política. A participação das mulheres na política brasileira sempre foi foco de grandes debates, tendo em vista que, tradicionalmente, os homens ocupam a maior parcela dos espaços políticos.

Desde 1933 quando na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, a mulher brasileira, pela primeira vez, em âmbito nacional, votou e foi votada muito se progrediu na garantia do direito à participação política das mulheres. Entretanto, ainda há muito por fazer.

O objetivo do presente artigo é esclarecer objetivamente acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5617 que questiona a constitucionalidade do art. 9º da Lei 13.165/2015 (minirreforma eleitoral)

 

Alterações legislativas mais recentes (Mulheres na Política)

Campanhas mais curtas e em tese mais enxutas que as de outros anos, deram o tom nessas últimas eleições municipais que já ocorreram seguindo as bases da minirreforma eleitoral disposta na Lei 13.165/2015.

Dentre as alterações empreendidas estão dispositivos que visam assegurar uma maior participação das mulheres no pleito eleitoral. Segundo o balanço do TSE, as mulheres atingiram percentual pouco maior que 30% se considerado o número total de candidatos.

Infelizmente essa realidade só foi possível por força de lei. Desde 2009, vigora redação do art. 10 §3º da Lei 9.504/97 que obriga partidos e coligações a preencherem o mínimo de 30% das vagas com mulheres.

Art. 10 (…) §3o  Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo

Esta imposição legal, aliado ao entendimento consolidado do TSE, possibilitou às mulheres espaço garantido nas disputas. Caso o partido ou coligação não alcance o percentual mínimo exigido, deverá diminuir o número de candidatos do sexo masculino para que o percentual seja respeitado.

Outro ponto importante é com relação ao financiamento da campanha. Especificamente com relação à minirreforma eleitoral de 2015, foi contemplada a obrigatoriedade de destinação de recursos financeiros diretamente do fundo partidário para a campanha das candidatas (art. 9o da Lei 13.165/2015).

Estas alterações na legislação eleitoral trouxeram maiores garantias à participação feminina na política. Não é demais lembrar que a mulher é maioria entre a população votante, por outro lado, constitui a minoria dentre as pessoas que concorrem e ocupam cargos eletivos.

 

Inconstitucionalidade do art. Art. 9o da Lei 13.165/2015 (Mulheres na Política)

 

Inicialmente, a função do artigo 9º da Lei 13.165/2015 seria a de garantir recursos mínimos do fundo partidário para custeio das campanhas das candidatas do partido.

O fundo partidário nada mais é que um fundo especial de assistência financeira aos partidos políticos, é composto por dotações orçamentárias da União, multas, penalidades, doações e outros recursos financeiros que lhes forem atribuídos por lei.

Importante conquista no âmbito da garantia das condições de disputa pelas mulheres, já que teriam o mínimo de recursos assegurado pelo próprio fundo partidário. Mas, na prática a lógica não é bem essa.

Vejamos o que diz o referido artigo:

Nas três eleições que se seguirem à publicação desta Lei, os partidos reservarão, em contas bancárias específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por cento) e no máximo 15% (quinze por cento) do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o inciso V do art. 44 da Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995.

Percebam que, apesar de ser obrigatório o preenchimento de, no mínimo, 30% das vagas por mulheres, os valores assegurados para custeio de suas campanhas alcançam, no máximo, 15% do fundo partidário.

Não é preciso ser expert em direito constitucional, para constatar a flagrante inconstitucionalidade do art. 9º da Lei 13.165/2015, que fere frontalmente o princípio constitucional da igualdade, pluralismo político, entre outros.

No tocante a igualdade, ressalte-se que a doutrina em geral, a categoriza em igualdade jurídica e fática. A primeira visa a impedir tratamentos diferenciados para casos idênticos e vice-versa. A segunda tem o objetivo de propiciar tratamento diferenciado para reduzir desigualdades (ações afirmativas). Clique aqui para ver artigo que escrevi acerca das ações afirmativas e princípio da igualdade.

Diante do mandamento constitucional previsto no art. 5º caput, tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual é medida que se impõe (lógica aristotélica).

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem essa matéria em destaque na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) n. 5617, ajuizada pela Procuradoria Geral da República.

Mulheres na políticaÉ impossível prever o resultado dessa ADI, mas delimitar percentual de gastos com a campanha das mulheres e não o fazer com a campanha dos homens é, no mínimo, injustificável.

Caso o STF entenda que o referido dispositivo é constitucional só haverá uma conclusão palpável com relação à temática, mulheres na política:

“As mulheres são mais econômicas”.

 

Grande abraço a todos!

 




Direito de greve: O que aconteceu?

Direito de Greve. Recentemente uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe à discussão outro tópico, ínsito a este momento de crise vivenciada no Brasil,  a greve dos servidores públicos e o desconto dos dias parados.

A greve consiste em um direito social fundamental, uma forma de autodefesa assegurada aos trabalhadores como um meio de defesa de certos interesses e de pressão em face do maior poder do empregador (Novelino, 2013).

Previsto na Constituição Federal de 1988 (CF/88) em seu art. 9º para os trabalhadores da iniciativa privada e no art. 37, VII para os servidores públicos.

Para os primeiros, foi promulgada a lei 7.783/89 que estabelece os limites e peculiaridades para exercício do direito de greve. Para os servidores públicos não há norma infraconstitucional regulamentadora, o que levou à conclusão doutrinária de que o direito de greve dos servidores públicos não poderia ser exercido enquanto a referida lei não fosse devidamente confeccionada.

Em 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu declarar a omissão legislativa quanto ao dever constitucional em edital lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público, determinando a aplicação da lei de greve dos trabalhadores da iniciativa privada aos servidores públicos.

Os servidores públicos passaram então a gozar do direito de greve seguindo os mesmos regramentos da legislação aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada. Na prática esta decisão do STF cobriu a lacuna legislativa existente até que lei própria neste sentido fosse sancionada.

 

– Dias parados por greve do servidor público

No final do mês de Outubro de 2016, o plenário do STF ao julgar o RE 693456 decidiu pela constitucionalidade do desconto dos dias parados dos servidores em razão de greve.

Com a decisão, os servidores que aderirem à greve deverão ter na sua remuneração descontados os dias paralisados. As exceções ao desconto seriam os casos em que servidores e Poder Público acordem a compensação dos dias parados e a hipótese de greve deflagrada por conduta ilícita do próprio poder público.

Assim ficou a tese fixada pelo STF:

“A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público”.

 

– Esvaziamento do direito de greve do servidor?

O art. 7º da lei 7738/89 Já previa a possibilidade de desconto dos dias parados dos empregados de greve, tal hipótese agora também ficou reconhecida aos servidores públicos.

Alguns juristas sustentam o esvaziamento do direito de greve, posto que muitas vezes a greve é deflagrada por conta de omissões, da falta de condições de trabalho, da falta de valorização de determinada categoria, e por inúmeros outros motivos que não se configurariam propriamente em ato ilegal cometido pelo Poder Público.

O que fica claro é que toda a controvérsia nasceu da omissão legislativa quanto a esse direito constitucionalmente assegurado aos servidores públicos.

 

Grande abraço a todos!