O Benefício de Prestação Continuada (LOAS) à luz da Constituição Federal de 88

Benefício da LOAS. A Constituição Federal de 88 (CF/88) prevê a partir do artigo 194 as disposições referentes à Seguridade Social. A seguridade envolve um conjunto integrado de ações relativos à saúde, assistência social e previdência social.

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O benefício de prestação continuada (benefício da LOAS) está inserido no rol das ações realizadas pela assistência social, logicamente, no âmbito da seguridade social.

Trata-se de um benefício no valor de 01 salário mínimo entregue ao portador de deficiência e/ou ao idoso que não possuam condições de suprir as suas necessidades básicas ou tê-las supridas pela sua família. Na dicção da CF/88:

Art. 203 – A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(…)

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Na verdade, trata-se de possibilitar à parte da população mais vulnerável (pela dificuldade ou impossibilidade de acesso ao mercado de trabalho) condições para uma vida minimamente digna.

Esse benefício é chamado pela legislação de benefício de prestação continuada (BPC) ou como preferem alguns benefício da LOAS.

LOAS é uma referência à legislação que regulamentou a determinação constitucional; significa Lei Orgânica da Assistência Social.

A LOAS, lei regulamentadora do BPC conforme supramencionado, tratou de estabelecer alguns requisitos para concessão desse benefício.

 

Requisitos para concessão do Benefício da LOAS

O art. 20 da Lei 8742/93 (LOAS) estabelece os requisitos para concessão do benefício, de modo a complementar e regulamentar o que foi estabelecido pelo Poder Constituinte Originário:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

Há alguns pontos a serem observados na norma acima mencionada, para melhor compreensão dos requisitos:

 

1 – Família e Estado

Em princípio quem sustenta o idoso e o deficiente é a FAMÍLIA, se ela não tiver condições o Estado deverá fazê-lo, de forma subsidiária.

Ressalte-se que, conforme estabelecido no art. 194 da CF/88, as ações relativas à seguridade, dentre as quais se inserem as da assistência social, são de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade.

 

2 – Conceito de Idoso

O caput do art. 20 da Lei 8742/93 (LOAS) em sua redação original previa que deveria ser considerado idoso a pessoa maior de 70 anos. Na redação atual, considera-se idoso a pessoa maior de 65 anos.

Tal disposição diverge da previsão genérica do Estado do Idoso (Lei 10741/2003), que em seu art. 1º dispõe que deve ser considerado idoso a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos.

Prevalece para fins de concessão do BPC (LOAS) a idade de 65 anos, para homem ou mulher, sem distinção.

 

3 – Conceito de pessoa com deficiência

A lei 13146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) estabelece o conceito de pessoa com deficiência em seu art. 2º:

Art. 2º – Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificado pelo Congresso Nacional na forma prevista no §3o do art. 5o da CF/88 (possui, portanto, status de emenda constitucional).

Após esta legislação o conceito de pessoa com deficiência foi alargado, trocando a ideia de invalidez pela de necessidade especial.

Na prática, segundo alguns doutrinadores, esta alteração produz poucos resultados, uma vez que para tutela judicial ainda exige-se a prova de que a pessoa não possui condições para exercer atividade laborativa.

Obs: O §10 do art. 20 da LOAS estabelece o conceito de impedimento de longo prazo, que é aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 02 anos.

Essa determinação legal põe fim à discussão acerca da concessão de BPC por deficiência temporária. Atualmente é possível, desde que superior a dois anos.

 

4 – Integrantes da Família

O §4º do art. 20 da LOAS estabelece a composição da família para fins de apuração da renda mensal, nos seguintes termos:

 Art. 20 (…)

§1o Para os efeitos do disposto nocaput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Assim, no momento de aferição da condição financeira da família para sustento do idoso ou da pessoa com deficiência, a renda oriunda de todos os componentes será levada em consideração.

 

5 – Renda mensal para fins de concessão do BPC (LOAS)

Consoante o que dispõe o §3º do art. 20 da LOAS, considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

Somados os rendimentos de todos os integrantes do núcleo familiar e dividindo-a pelo número de pessoas que o compõe deverá resultar em valor inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo vigente à época.

Ex: Em uma casa vivem um idoso (acima de 65 anos) que não trabalha nem recebe aposentadoria. Juntamente com ele vivem sua filha, genro e neto. Apenas a filha trabalha e recebe 01 salário mínimo mensal. Neste caso, o idoso não teria direito ao benefício da LOAS, uma vez que a renda mensal per capita (por cabeça / por pessoa) é igual a um quarto do salário mínimo. A lei diz que deve ser inferior.

Causa estranheza que um benefício que tem como objetivo suprir as necessidades básicas do idoso e da pessoa com deficiência para que vivam de maneira digna, “amarre” a renda per capita familiar para concessão em um patamar tão irrisório.

Na verdade, a lei, ao estabelecer de maneira objetiva a renda, deixou de balancear outros fatores que no caso concreto poderiam ser levados em consideração para fins de determinação do estado de miserabilidade.

 

Inconstitucionalidade do §3º do art. 20 da LOAS

A discussão em torno do que foi estabelecido pela LOAS para concessão do BPC é bastante acirrada. De um lado, idosos e pessoas com deficiência que necessitam do benefício, apesar de não se enquadrarem no critério renda per capita e de outro o INSS que não abre mão do cumprimento à determinação legal.

Tanta divergência deu azo à propositura da ADI 1232/DF. Tal ação visava a declaração de inconstitucionalidade do §3º do art. 20 da LOAS, retirando-se assim a sua eficácia e, por consequência, outros fatores poderiam ser utilizados para análise da condição do idoso e deficiente.

Entretanto, o STF, apesar dos apelos em contrário e dos votos divergentes, declarou constitucional a referida norma.

Não obstante o posicionamento do STF, a jurisprudência pátria começou a se consolidar no sentido de que ¼ do salário mínimo é um critério, mas outros pontos devem ser levados em consideração diante do caso concreto.

Ademais, legislações mais novas que tratam acerca de outros benefícios da assistência social já admitem como critério para concessão a renda per capita de meio salário mínimo. Como é o caso das leis Lei 10.836/2004 (Bolsa Família); a Lei 10.689/2003, que (Programa Nacional de Acesso à Alimentação); entre outras.

Estabelecer como único critério de aferição de miserabilidade a renda per capita de ¼ do salário mínimo ofende frontalmente o disposto no art. 203, V da CF/88. Tal dispositivo assegura o BPC aos idosos e portadores de deficiência que não possuam condições de prover a sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família.

É fato que aqueles com renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo realmente não possuem condições para sua manutenção. Contudo, no caso concreto, mesmo pessoas que possuam renda superior à determinada pela lei podem passar por grandes dificuldades, o que impossibilitaria uma vida digna.

Normalmente, a pessoa idosa e a pessoa com deficiência fazem uso de medicamentos (nem sempre fornecidos pelo SUS) e necessitam constantemente de cuidados médicos, o que faz com que a sua necessidade extrapole o irrisório patamar estabelecido.

O critério de meio salário mínimo já utilizado por outras legislações, conforme acima aludido, se mostra mais razoável à garantia de uma vida com mais dignidade.

Noutro giro, o estudo social poderia constituir-se em instrumento capaz de aferir de maneira mais real a verdadeira situação da família na qual o idoso e a pessoa com deficiência está inserida.

Não é demais lembrar que a dignidade da pessoa humana está inserta entre os fundamentos basilares da nossa República e qualquer afronta ao seu preceito deve ser retificado pela via difusa ou direta do controle de constitucionalidade.

 

Posição do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal (STF) posicionou-se em meados de 2013 pela inconstitucionalidade do §3º do art. 20 da LOAS. Mas esta declaração se deu de maneira incidental, não alcançando a norma em abstrato.

Destarte o referido dispositivo legal continua vigente e amplamente aplicado pelo INSS, porém, a jurisprudência majoritária caminha no sentido da sua inconstitucionalidade.

O Ministro Gilmar Mendes ao tratar sobre o assunto[1] em seu voto na Reclamação 4374, assim afirmou:

Portanto, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefício. (…) este é um indicador bastante razoável de que o critério de um quarto do salário mínimo utilizado pela Loas está completamente defasado e inadequado para aferir a miserabilidade das famílias, que, de acordo com o artigo 203, parágrafo 5º, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial

Sobram argumentos pela inconstitucionalidade do critério de ¼ do salário mínimo per capita estabelecido pelo §3º do art. 20 da LOAS. E, por outro lado, falta uma justificativa plausível à luz da CF/88 para sua manutenção.

Administrativamente o INSS não reconhece a inconstitucionalidade já reconhecida pelo STF, em sede de controle difuso. Mesmo com a alteração da LOAS promovida pela lei 13146/2003 (acrescentou o §11 ao art. 20 da LOAS) determinando que poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade.

 

Considerações Finais

A assistência social é o ramo da seguridade social que tem por objetivo atender às necessidades básicas do indivíduo, fornecendo-lhe o mínimo existencial por meio de prestações gratuitas. A sua função primordial é garantir o chamado mínimo existencial, que é o mínimo necessário a uma vida digna.

Não há como se conceber, na atualidade, que o parâmetro de ¼ do salário mínimo seja o balizador para aferição de uma vida digna. Tal consideração viola o princípio da dignidade da pessoa humana e restringe o que a Carta Magna não restringiu.

É necessário levar em consideração outros fatores para fins de verificação da miserabilidade do idoso e da pessoa com deficiência como medida para realização da justiça no caso concreto.

Por outro lado, o critério de meio salário mínimo, já estabelecido em outras legislações de cunho assistencial se mostra mais razoável para atual conjuntura econômica.

 

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Grande abraço a todos!

 

[1] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=236354