Estado Laico – Laicidade e Governo
Estado Laico. Ultimamente temos assistido a diversas discussões, sobretudo na esfera parlamentar, acerca de divergências em torno de questões que envolvem o discurso religioso. Temos no deputado Bolsonaro, um exemplo muito claro disso.
Importante entendermos de uma vez por todas, o que significa a expressão Estado Laico? Afinal, o Brasil é ou não é um Estado Laico?
Vejamos:
O que é laicidade?
A laicidade impõe ao Estado uma postura não confessional frente aos diversos movimentos religiosos, respeitando e assegurando o pluralismo. Significa dizer que o Estado não professa ou adota religião alguma, contudo, tolera, respeita e resguarda o direito de todos em professar alguma religião, ou mesmo não professar. É a Constituição Federal de 88 que determina a liberdade religiosa e a neutralidade estatal.
As disposições constitucionais que garantem a liberdade de crença e de cultos, estão previstas no art. 5º, incisos VI, VII e VIII da CF/88:
Art. 5º (…)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Apesar de ser um Estado laico, o Brasil DEVE assegurar a livre manifestação das religiões em geral e também daqueles que não professam religião alguma.
A Constituição Federal de 88 faz menção a Deus em seu preâmbulo e tal situação já foi objeto de questionamento em sede de controle de constitucionalidade junto ao STF. Como pode um país que se diz leigo ou laico suscitar a proteção da divindade em seu texto?
O que deve ficar claro é que o Deus descrito no preâmbulo não se refere a uma religião específica. Trata-se, na verdade, de um reforço à laicidade estatal, nas palavras de Alexandre de Moraes.
Esta liberdade de convicção religiosa, descrita no texto constitucional, deve ser analisada da forma mais ampla possível. Garantindo e protegendo àqueles que professam sua fé, suas crenças e também aqueles que não professam.
Laicidade x Laicismo
A laicidade, conforme dito anteriormente, agrega aos direitos fundamentais do cidadão a sua liberdade de crença. Já o laicismo seria um modelo de comportamento antirreligioso, em que o Estado deve excluir, em sua totalidade, questões de cunho religioso da esfera pública.
Tal situação não ocorre no Brasil. Primeiro porque é impossível exigir uma conduta neutra dos mandatários do Poder, a frente do governo. Segundo, porque ao excluir de forma plena as questões religiosas, estaríamos privilegiando a parcela da população que não professa religião alguma em detrimento das que professam.
Observem que há uma tênue linha que separa uma situação da outra. Se de um lado as ideias baseadas apenas no sentimento religioso não podem fundamentar a atuação estatal. Em outra dimensão, a atuação totalmente afastada dessa discussão de igual forma constitui-se em critério discriminatório.
Estado Laico x Estado Ateu
O fato de o Brasil ser um Estado Laico não o leva a, consequentemente, ser considerado um Estado Ateu. Segundo o dicionário online Michaelis:
Ateu (adj sm) – 1 Que ou aquele que não crê em Deus; ateísta. / 2 Que ou aquele que não demonstra respeito, deferência ou reverência para com as crenças religiosas alheias; herege, ímpio.
Esta definição de Ateu não se adequa à relação existente entre Estado e Religião, estabelecida na Constituição. Nela há o reconhecimento das religiões e da sua importância no contexto da esfera individual do cidadão, que mesmo encarcerado, tem direito fundamental à sua prestação, se assim o desejar.
Um outro conceito muito difundido nos dias atuais é o Agnosticismo, segundo o dicionário online Michaelis:
Agnosticismo (sm – 1 Atitude filosófica e religiosa daqueles que afirmam que ideias metafísicas, como a existência de Deus e a imortalidade da alma, não podem ser provadas nem negadas (termo criado em 1869 por Thomas Henry Huxley (1825-1895). / 2 Qualquer doutrina que afirma a impossibilidade de se conhecer a natureza última das coisas.
Destarte, os religiosos, ateus e agnósticos encontram, de maneira isonômica, proteção às suas convicções no bojo da Constituição Federal de 88.
Governantes Religiosos
Inicialmente, é importante destacar a diferença entre Estado e Governo. Estado é uno, indivisível e perene, é a estrutura que garante o bem estar de todos e se triparte em três funções: executivo, judiciário e legislativo.
Já o governo é núcleo decisório do Estado. É temporário, eleito mediante escolha popular. É quem administra a estrutura do Estado.
Mesmo o Brasil sendo um Estado laico, a cada eleição se multiplicam os candidatos originários de determinadas denominações religiosas. Neste caso, haveria ofensa à Constituição?
Conforme mencionado, é impossível exigir de uma pessoa completa neutralidade em sua atuação. É até possível exigir imparcialidade, assim como as normas processuais exigem do juiz. Mas neutralidade não, pois diz respeito à carga valorativa adquirida com a experiência de vida de cada um.
O fato de um deputado se intitular representante no congresso de eleitores de determinada religião não lhe retira a legitimidade do mandato. Pelo contrário, o direito ao sufrágio (consagrado na CF/88), dá a liberdade ao cidadão de escolher quem melhor representa seus interesses.
O fato de um governante professar uma fé ou cultuar a Deus não lhe retira o direito a ocupar cargo público. Lembremos que, antes de agente político, ele é cidadão. E, como cidadão, possui a sua liberdade de crença assegurada. Vejam que estamos diante de uma relação quase cíclica.
O que é vedado ao mandatário (seja ele membro do executivo ou legislativo) é utilizar-se de sua liberdade de crença para a perseguição ou intolerância contra aqueles que não professam a sua fé ou não professam fé.
Igualmente vedado a concessão de benefícios não previstos na CF/88 a qualquer religião. A atuação parlamentar ou executiva deve ser realizada nos exatos limites estabelecidos pela Constituição.
Noutro norte, as parcerias para consecução de atividades afins não encontram vedação constitucional. Exemplo exitoso é o método APAC para cumprimento de pena que encontra na religião um fator essencial na recuperação dos apenados.
Considerações Finais
Como a maioria dos direitos fundamentais, a liberdade de crença e de culto não são absolutos e devem ser exercidos em conformidade com as demais normas do nosso ordenamento. Havendo conflito entre esse direito e outro igualmente tutelado pela CF/88, a ponderação de interesses deve ser aplicada ao caso concreto.
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Grande abraço a todos!