Zona Azul – Pode ou não pode? Aspectos legais

Aspectos legais do estacionamento pago em via pública

Zona Azul ou Faixa Azul. Devido ao grande número de veículos que circulam nas cidades, o simples ato de estacionar em via pública tornou-se uma via crucis. Os motoristas rodam por várias ruas, por longo tempo, para terem a sorte de acharem espaço livre para estacionar.

Uma das causas dessa dificuldade em achar locais para estacionamento nas vias públicas, se deve ao fato de pessoas que trabalham e moram em regiões de maior densidade comercial e que não possuem garagens, estacionam seus carros na via e ali o deixam durante todo o dia.

Não há nenhuma ilegalidade no fato de a pessoa simplesmente estacionar o carro na via o dia inteiro. Contudo, a vaga para estacionamento em área de comércio não estaria atingindo a sua função social de forma plena. Afinal, as pessoas que precisam fazer negócios naquela área não terão onde estacionar.

A ideia da Zona Azul ou Faixa Azul ou simplesmente estacionamento pago em via pública, surgiu da necessidade de se regulamentar a permanência em vagas de alta densidade comercial, como os centros das cidade e bairros de maior concentração de comércios e repartições públicas.

 

Zona Azul é um serviço público?

Sim. Trata-se de serviço público de administração e exploração do sistema de estacionamento rotativo. Este serviço, via de regra, pode ser explorado pelo próprio Poder Público ou mediante concessão.

A concessão de serviço público é uma forma de delegação. O Poder Público, titular do serviço, entrega a uma pessoa jurídica a execução de determinado serviço. A concessão de serviços públicos está prevista no art. 175 da Constituição Federal de 88 (CF/88).

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

A concessão deve, obrigatoriamente, ser precedida de lei que autorize a sua instituição e procedimento licitatório na modalidade concorrência pública (procedimento mais complexo previsto na Lei 8666/93).

A lei geral que regulamenta as concessões no Brasil é 8987/95. Ela conceitua a concessão de serviço público como a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.

Observem que o Poder Público transfere apenas a execução do serviço, mantendo-se a sua titularidade. Assim, havendo, por exemplo, a inadimplência por parte da concessionária, o Poder Público poderá retomar o serviço.

 

 

A via é pública. A cobrança da taxa para estacionar é legal?

Zona AzulSim. Apesar de a rua ser um bem público, o Estado pode regulamentar a sua utilização com vistas ao interesse da coletividade. É exatamente isso que ocorre com a instituição deste serviço de administração de estacionamento rotativo.

Segundo o art. 103 do Código Civil Brasileiro:

Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem. (grifo nosso)

O valor da tarifa é regulamentado pela lei que autorizou a concessão. Deve ser paga pelo usuário do serviço diretamente à concessionária (empresa exploradora da atividade).

Do valor recolhido pela concessionária, parte é repassado ao Poder Público, na forma estipulada em contrato.

 

O motorista que não paga o estacionamento rotativo pode ser multado?

Sim. A multa está prevista no Código de Trânsito Brasileiro.

Art. 181. Estacionar o veículo:

(…)

XVII – em desacordo com as condições regulamentadas especificamente pela sinalização (placa – Estacionamento Regulamentado):

Infração – grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)    (Vigência)

Penalidade – multa;

Medida administrativa – remoção do veículo;

 

Quem estaciona sem pagar a taxa ou fora do que estabelecem as placas, está estacionado em desacordo com as condições regulamentadas. Pode sim levar multa.

 

IMPORTANTE: O Poder Público pode autuar e aplicar multas por conta do chamado Poder de Polícia. Tal poder é INDELEGÁVEL, ou seja, o Poder Público ao delegar o serviço de administração do estacionamento rotativo, entrega ao particular apenas a execução da atividade.

O Poder Público não pode entregar o Poder de Polícia (que abrange a competência para fiscalizar, autuar e, se for o caso, aplicar multas ou medidas administrativas). Apenas a autoridade de trânsito municipal poderá fazê-lo ou a polícia militar, caso haja convênio.

Assim, caso a empresa operadora do sistema Faixa Azul ou Zona Azul (como queiram chamar) seja a responsável por fiscalizar os veículos estacionados irregularmente estaríamos diante de uma grave ilegalidade, que acarretaria por certo a nulidade do auto de infração.

 

O Código de Trânsito Brasil estabelece os requisitos para autuação em seu art. 280, vejamos:

Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:

I – tipificação da infração;

II – local, data e hora do cometimento da infração;

III – caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;

IV – o prontuário do condutor, sempre que possível;

V – identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração;

VI – assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.

1º (VETADO)

§ 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.

§ 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte.

§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.

 

A partir da leitura desse artigo verifica-se claramente que cabe ao agente de trânsito a fiscalização do sistema de estacionamento rotativo em via pública.

 

Considerações Finais

O estacionamento rotativo em via pública é uma importante ferramenta para as cidades em meio a um trânsito tão complicado que vemos dia-a-dia crescer. A sua instituição, se feita de forma correta, melhora a fluidez do trânsito e as condições de quem lida com suas atividades em área comercial.

O Poder Público deve estar atento para que todos os requisitos legais sejam completados. Não é demais lembrar que, como trata-se de serviço público a ser prestado por particular, o Código de Defesa do Consumidor aplica-se à relação (art. 7º da Lei 8987/95)

 

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Vaquejada sob o prisma do Controle de Constitucionalidade

Vaquejada. Este é um tema que vem causando um turbilhão de confrontos nas redes sociais. Alguns se manifestam favoráveis à vaquejada, enquanto expressão da cultura popular brasileira; outros se manifestam contrariamente, levantando a bandeira da proteção aos animais, que são submetidos a maus tratos durantes essas atividades.

O objetivo do presente artigo é discutir um pouco acerca da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) com relação ao assunto e responder ao questionamento: A vaquejada foi proibida?

 

O que é vaquejada?

Segundo o dicionário online Michaelis, o termo vaquejada comporta os seguintes significados: reunião do gado de uma fazenda; reunião de gado espalhado por diversas áreas, para que seja conduzido aos currais da fazenda; apartação; Torneio entre os vaqueiros, que demonstram sua destreza ao derrubar novilhos.

Segundo o portal da vaquejada, o torneio que todos conhecemos em que os vaqueiros perseguem o animal e devem derrubá-lo pela cauda dentro dos limites estabelecidos, na verdade teve sua origem nas atividades corriqueiras do vaqueiro, na chamada apartação. Dali se tornou competição, atualmente realizada em todos os rincões do país.

 

A vaquejada foi proibida?
Imagem com o texto: vaquejada, quem proibiu?Em uma primeira análise não. A vaquejada não foi proibida, o que ocorreu foi a declaração de inconstitucionalidade de uma lei cearense que a regulamentava. Em todo o país continuam ocorrendo os eventos dessa área, inclusive com a distribuição de premiação aos vencedores.

Contudo, a chamada Teoria dos Motivos Determinantes nos direciona a opor de maneira erga omnes não só o dispositivo do acórdão, mas também a causa de decidir (fundamento da decisão).

Nesta senda, verifica-se pelo voto, sobretudo do ministro relator da ADI 4983 (Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo procurador geral da república contra lei cearense que regulamentava a vaquejada), que a prática da vaquejada impõe maus tratos aos animais, o que viola diretamente o art. 225, §1º, VII da CF/88.

Com fundamento nesta teoria (amplamente aceita pelo STF e pela doutrina em geral) é possível afirmar que a prática da vaquejada está proibida, já que foi reconhecido em sede de controle concentrado de constitucionalidade o seu efeito danoso e cruel aos animais.

No julgamento realizado pelo STF, verificou-se que havia um conflito entre normas constitucionais, de um lado normas de proteção ao meio ambiente (art. 225 CF/88) e de outro o direito às manifestações culturais enquanto expressão da pluralidade (art. 215 CF/88).

Pela técnica da ponderação de interesses, o STF acabou por entender pela inconstitucionalidade da lei cearense em prestígio às normas garantidoras do meio ambiente.

 

O legislativo pode elaborar lei regulamentando a vaquejada?

Sim. O princípio da separação dos poderes determina as competências típicas de cada Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) e também as competências atípicas. Significa dizer que, o Executivo nasceu para executar a lei, exercer a atividade administrativa; ao Judiciário cabe dizer o direito, julgar os conflitos que lhe são apresentados, dirimir as contendas e violações à legislação; e cabe ao legislativo a tarefa de inovar no ordenamento jurídico, a chamada atividade legiferante, o “fazer a lei”.

Essas são as atividade típicas, contudo, a própria Constituição pode autorizar a realização de atividade atípicas. A título de exemplo, o Presidente da República pode fazer uso de medidas provisórias que, no ato de sua publicação, tem força de lei. Este é um exemplo clássico de atividade atípica.

Ressalte-se que a atividade atípica deve ser autorizada pela Constituição, do contrário, constitui-se em violação à separação de poderes.

Voltando ao questionamento, como cabe ao legislativo a confecção das leis, ainda que o STF já tenha declarado em caso análogo a inconstitucionalidade, o Congresso Nacional possui total autonomia para a confecção de legislação, ainda que inteiramente idêntica àquela objeto de discussão.

O STF, enquanto guardião da CF/88 não poderia obstar a atividade legislativa, senão naquelas hipóteses elencadas na própria Constituição, essa é a ideia do sistema de freios e contrapesos.

Claro que na prática, eventual legislação acerca da matéria deverá contornar as hipóteses levantadas pelo STF como inconstitucionais, do contrário, seria novamente objeto de ADI e perderia sua eficácia.

 

Existe projeto de lei para regulamentação da vaquejada em todo o território nacional?

Sim. É o Projeto de Lei (PL) 378/2016, de autoria do Senador Cearense Eunício de Oliveira. O referido projeto dispensa tratamento à vaquejada como prática esportiva e legítima manifestação da cultura popular, em tese protegida pelo art. 215 §1º da CF/88.

Dentre os dispositivo do PL 378 está a obrigatoriedade nas competições da presença de um médico veterinário que será o responsável pela garantia da boa condição física e sanitária dos animais e pelo cumprimento das normas disciplinadoras da vaquejada, impedindo maus tratos e injúrias de qualquer ordem.

O projeto ainda regulamenta a infraestrutura mínima obrigatória para as competições que contempla, entre outros: atendimento médico, com ambulância de plantão e equipe de primeiros socorros, transporte dos animais em veículos apropriados, espaço físico apropriado e seguro de vida aos participantes.

O projeto possui contornos que muito o aproximam da Lei Federal 10.519/2000 que dispõe sobre a promoção e a fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeio.

 

Grande abraço a todos!

 




Mitos e Verdades sobre a PEC 241/2016 (PEC 55/2016)

O Projeto de Emenda Constitucional 241/2016 (PEC 55/2016) pretende a instituição do “Novo Regime Fiscal”, conforme a justificativa apresentada no projeto, consiste num instrumento que visa reverter, no horizonte de médio e longo prazo, o quadro de agudo desequilíbrio fiscal em que nos últimos anos foi colocado o Governo Federal.

Em linhas gerais o projeto traça limites para os orçamentos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e dos demais entes que possuem autonomia orçamentário-financeira como Ministério Público e Defensoria Pública.

Tratei aqui, do ponto de vista legal, das principais discussões que tenho visto na internet, sobretudo nas redes sociais. Caso tenha alguma dúvida sobre o assunto, deixe seu comentário, terei o maior prazer em ajudar no esclarecimento.

Grande abraço a todos.

 

A PEC 55/2016 surgiu para substituir a PEC 241:

Imagem com texto "Mito"

Na verdade, trata-se da mesma proposta. Apenas mudou a numeração porque ela agora tramita no Senado Federal.

 

 

 

A PEC 241 JÁ ESTÁ APROVADA: 

Imagem com texto "Mito"

As emendas constitucionais como é o caso da PEC 241 (PEC 55) passam por procedimentos complexos de aprovação, determinados pela Constituição Federal. Para aprovação é necessária discussão e votação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos. Apenas será considerada aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros (art. 60 §2º CF/88).

Isso significa que a PEC deve ser aprovada duas vezes na Câmara dos Deputados e duas vezes no Senado Federal por três quintos de seus membros. A PEC 241 foi aprovada apenas na Câmara dos Deputados. Ainda precisa completar o seu ciclo no Senado Federal.

Assim, ainda há muito o que se discutir até a efetiva aprovação da PEC 241, que, até ser promulgada, ainda pode ser modificada.

 

A PEC 241 congelará os gastos com saúde e educação pelo período de 20 anos:

Imagem com texto "verdade"

A proposta contempla que a variação de gastos com saúde e educação de um ano para outro acompanhará o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), ou seja, será corrigido pela inflação projetada para o período.

Ressalto “projetada”, tendo em vista que o orçamento de um ano é elaborado no ano anterior, dessa forma, o orçamento das despesas com saúde e educação será determinado pela inflação projetada e não pela real.

O congelamento vai ocorrer, uma vez que não haverá aumento real nas despesas com saúde e educação, haverá apenas a atualização inflacionária.

Necessário se ter em mente que na sistemática atual determinada pelo art. 212 da Constituição de 88, a União deve aplicar, anualmente, no mínimo 18% de sua receita com impostos. No campo da saúde, por força da emenda constitucional 86/2015, a união deveria aplicar, no mínimo, 15% de receita corrente líquida.

Observem que os percentuais atualmente determinados pela Constituição se referem às receitas. Assim, à medida que o país cresce os investimentos tendem a terem aumento real, ou seja, mais dinheiro investido.

A PEC 241 pretende suspender os artigos citadas por um prazo de 20 anos. Nesta senda, durante as próximas duas décadas não haveria obrigatoriedade de gastos mínimos com saúde e educação, respeitando os patamares citados. A fórmula para essas despesas seguem o caminho já citado (atualização pelo IPCA).

O Projeto prevê a possibilidade de alteração nessas áreas de despesas a partir do décimo exercício financeiro (10 anos após a promulgação da emenda).

 

A PEC vai acabar com as ações do Ministério Público contra a corrupção:

Imagem com texto "Mito"

O Ministério Público (MP) tem sua independência determinada pela Constituição Federal de 88 em seus arts. 127 e seguintes. Todas as atividades desenvolvidas por esta instituição são e continuarão a serem desempenhadas com imparcialidade.

O que a PEC prevê é um engessamento do teto de gastos do MP, o que segundo o próprio Procurador Geral da República, em nota técnica enviada ao Congresso Nacional, impedirá a ampliação da sua estrutura, promover despesas com investimentos, nomear novos membros e servidores, promover os reajustes das despesas com pessoal e encargos sociais dos agentes públicos, estabelecidos em lei ou projeto de lei acordados com o Poder Executivo, efetuar despesas com inativos e pensionistas, entre outros aspectos.

Esse congelamento nos investimento afetará não só o Ministério Público mas diversos outros órgãos.

 

O Judiciário será afetado pela PEC 241:

Imagem com texto "verdade"

A limitação de gastos que será imposta com a possível aprovação da PEC 241 impõe limitação nos crescimento das despesas do Judiciário, fazendo com que sua capacidade de ampliação estrutural fique comprometida, assim como ocorreria com o MP, Defensoria Pública, entre outros.

 

 

O STF já se manifestou pela constitucionalidade da PEC 241 (PEC 55):

Imagem com texto "Mito"

Alguns parlamentares impetraram Mandado de Segurança no STF, cujo pedido liminar foi apreciado pelo Ministro Barroso e indeferido. Na prática, o referido mandado de segurança buscava a suspensão da tramitação da PEC 241 sob o argumento de que o projeto prevê ofensa à separação de poderes e outros pontos relacionados ao mérito do projeto.

O Ministro não entendeu, em uma análise liminar, que haveria ofensa à separação de poderes. Ressalte-se que o STF não pode interferir no processo legislativo, porque nesse caso estaria invadindo competência de outro Poder. O STF pode suspender a tramitação quando o projeto viola as chamadas cláusulas pétreas ou na hipótese de violação do devido processo legislativo (questões formais).

Esta decisão do Ministro não impede que, após a promulgação dessa emenda constitucional, o STF declare sua inconstitucionalidade.

 

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Grande abraço a todos!

 




A crise afeta o Servidor Público estável?

O Brasil vem passando por um crise econômica que leva seus efeitos à vida de todos os brasileiros. Preços mais caros no supermercado, mercado desaquecido, juros altos, desemprego em nível recorde, entre tantos outros exemplos.

De todos esses problemas citados, o último tópico certamente é o que mais preocupa a população em geral, pois, se há a garantia de um emprego, as demais situações, ainda que com muita dificuldade e sacrifício, são passíveis de serem contornadas.

Nesta linha, alguns debates passaram a povoar a grande rede: um deles é voltado aos servidores públicos. Afirmam por aí que, por serem concursados, estão à margem da crise econômica já que não podem ser demitidos (garantia total de estabilidade). Será essa uma verdade absoluta? Será que a crise econômica não poderia afetar a estabilidade do servidor público concursado?

Vejamos.

Servidor Público Estatutário x Empregado Público

Importante tecer alguns comentários acerca dos conceitos que envolvem essa temática, diferenciando-se o servidor público do funcionário público.

Servidor público estatutário é aquela pessoa ocupante de cargo público, cujo provimento se dá através de concurso público. Este regime é bastante benéfico e protetivo ao servidor, uma vez que o protege contra as ingerências político-partidárias provocadas pela alternância no poder.

Esta garantia é materializada no instituto da estabilidade, que é adquirida após o transcurso do chamado estágio probatório. Adquirida a estabilidade o servidor está garantido contra a perda imotivada do cargo, que apenas será possível nas hipóteses constitucionalmente estabelecidas.

Já os empregados públicos se vinculam ao Estado através de uma relação contratual (regime celetista, ou seja, de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT). O provimento também se dá através de concurso público, porém possui regime menos protetivo, já que a estabilidade não alcança os empregados públicos.

Via de regra, os servidores públicos estatuários são aqueles contratados pelos entes que possuem natureza de direito público (por exemplo União, Estados, Municípios, suas Autarquias e Fundações). Já os empregados públicos estão presentes nos entes ligados ao Estado que possuem natureza de direito privado (por exemplo empresas públicas, sociedades de economia mista e consórcios privados).

 

Servidor Público e a Estabilidade

O servidor público estatutário adquire a estabilidade após três anos de efetivo exercício. Neste período o servidor passará obrigatoriamente por avaliação especial de desempenho que aferirá a sua capacidade e aptidão para exercício das funções inerentes ao cargo.

Segundo a Lei 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Civis da União), a avaliação contará com verificação acerca da assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade.

Adquirida a estabilidade, o servidor apenas perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado, processo administrativo disciplinar e avaliação periódica de desempenho (art. 41 §1º da CF/88). Além dessas, existe uma quarta forma de perda do cargo, que é a hipótese de redução de despesas com pessoal, prevista no art. 169 da Constituição Federal de 1988 – CF/88.

É nesta última hipótese que reside o cerne da discussão.

 

A crise econômica poderia levar à demissão de servidor estável?

Imagem servidor sendo expulso do poder público

Sim. Isso mesmo, a crise econômica também pode afetar a garantia da estabilidade do servidor público. Explico melhor:

Antigamente havia um total descontrole com relação às despesas com pessoal dos diversos entes públicos. As despesas com a contratação de pessoal chegavam a patamares insustentáveis, muitas vezes movida pela cega ambição de políticos que faziam do poder público verdadeiros cabides de emprego.

A CF/88 outorgou à Lei Complementar a função de estabelecer limites para os gastos com pessoal do Poder Público. A Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF) é que determina esses limites.

Os percentuais máximos de gasto com pessoal estão assim determinados:

– Municípios – 60% da receita corrente líquida

– Estados – 60% da receita corrente líquida

– União – 50% da receita corrente líquida

Vamos imaginar um município cuja receita corrente líquida seja de R$1.000.000,00 (um milhão de reais). A sua despesa com pessoal não poderia ultrapassar o patamar dos R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais). Caso isso ocorra, o município sofrerá diversas sanções estabelecidas na CF/88 e na LRF.

Ultrapassado o limite estabelecido, o ente público deverá fazer todo o necessário para voltar a se enquadrar no percentual, podendo, para tanto, inclusive, exonerar servidores estáveis.

Esta possibilidade está prevista no art. 169 §4º da CF/88. Logicamente que, antes de chegar a esta possibilidade, o Poder Público deverá buscar outras formas (elencadas na LRF e na CF/88) para conter as suas despesas com pessoal. Não alcançando o limite determinado, o servidor estável poderá perder seu cargo.

Mesmo após a leitura do presente texto, o servidor poderá estar se perguntando como a crise o afetaria e poderia enquadrá-lo na hipótese citada.

Simples:

A crise afeta principalmente a receita corrente dos diversos entes públicos, por conta da desaceleração da economia. Menor consumo, menor tributação, menor arrecadação.

As despesas com pessoal dos diversos entes não acompanham o balanço da sua arrecadação, pelo contrário, os servidores possuem garantia de irredutibilidade de vencimentos (há normas que preveem exceção). Assim, vamos a um exemplo:

Imagine um município que passe pela seguinte situação:

1 – Período de economia aquecida:

Receita corrente líquida è R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)

Despesas com pessoal è R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)

Neste caso, o gasto com pessoal está no percentual de 50% da receita corrente líquida

2 – Período de recessão na economia:

Receita corrente líquida è R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais)

Despesas com pessoal è R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)

Neste caso, o gasto com pessoal está no percentual de 62,5% da receita corrente líquida

 

Perceba que o mesmo gasto nominal com pessoal pode representar extrapolamento dos limites fixados pela lei.

Lógico que a LRF é mais específica quanto aos percentuais e aos limites, que são categorizados e divididos entre os poderes e demais órgãos com autonomia orçamentário-financeira.




O condenado tem direito a indenização…… e a vítima?

Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o preso submetido a situação degradante e a superlotação na prisão tem direito a indenização do Estado por danos morais.

A decisão se deu em sede de Recurso Extraordinário manejado pela Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul. A tese fixada pelo STF foi a seguinte:

Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento

Os ministros do Supremo decidiram pela concessão de indenização ao apenado como forma ressarci-lo pelos danos morais experimentados.

Após esta paradigmática decisão do STF milhares de ações com pedido similar serão propostas em todo o país, devido ao atual quadro das instituições prisionais. A maioria delas não são capazes de ofertar tratamento digno aos condenados.

O Estado pagará pela sua ineficiência na condução de políticas públicas adequadas para o enfrentamento do caos que se instalou no sistema prisional.

 

Indenização à vítima (aspectos jurídicos)

 

Recentemente publiquei um artigo com o título “Bandido bom é bandido morto” (se você não leu, clique aqui – vale a pena conferir) no blog e recebi muitos feedbacks. A maioria deles se reportavam ao descaso do Estado e da sociedade em geral com relação à vítima, sobretudo no tocante à indenização.

Isto moveu-me a escrever esse artigo para falar um pouco sobre a figura da vítima.

A vítima não foi abandonada ou esquecida pelo ordenamento jurídico, como querem fazer crer diversos críticos da decisão do STF supramencionada.

Na verdade, as modificações introduzidas, sobretudo em 2008, no Código de Processo Penal (CPP) visaram, nas palavras de Távora (2010), retirar da vítima o título de “ilustre esquecida”.

Exemplo dessas mudanças, foi a redação do art. 387, inciso IV do CPP, alterado pela lei 11.719/2008:

Art. 387.  O juiz, ao proferir sentença condenatória:

(…)

IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;

Assim, o juiz ao condenar o acusado por crime, deverá fixar na própria sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima. Esta sentença possui natureza de título executivo judicial, conforme art. 515, inciso VI do Código de Processo Civil (CPC).

Claro que existem consequências do crime que são irreparáveis do ponto de vista financeiro. Contudo, as disposições do CPP e CPC visam atenuar o sofrimento das vítimas e seus parentes já que o valor a ser fixado para indenização se refere a danos materiais e também morais.

Nesta senda, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou em 2009, o Manual Prático de Rotinas das Varas Criminais e de Execução Penal, onde estabeleceu o seguinte:

Ressarcimento de danos como efeito da sentença condenatória:

De acordo com a modificação introduzida no CPP, o ressarcimento de danos:

a) passou a ser elemento obrigatório da sentença mediante a fixação de valor mínimo para a indenização, quando houver dano para a vítima;

b) no regime atual, omissa a sentença, é cabível opor embargos de declaração.

c) não distingue entre dano material ou moral;

d) não exige pedido expresso na ação penal;

e) aplica-se aos fatos ocorridos anteriormente à vigência da nova redação do CP;

f) não pode ser determinado quando a absolvição criminal se fundar no art. 386, incisos I, IV e VI, do CP;

g) não pode ser determinado, quando a sentença for absolutória.

 

Segundo a orientação do CNJ, ora em destaque, independentemente de ter o representante do Ministério Público realizado pedido para fixação do valor para ressarcimento dos danos, o magistrado teria a obrigação de enfrentar tal questão. Fixando-se na sentença o valor mínimo para indenização à vítima.

Contudo, a jurisprudência consolidou-se em outra linha. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento no sentido de que há a necessidade de pedido expresso realizado pelo Ministério Público para determinação do quantum indenizatório.

O informativo do STJ n. 0528 traz em destaque tal questão:

Para que seja fixado na sentença valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, com base no art. 387, IV, do CPP, é necessário pedido expresso do ofendido ou do Ministério Público e a concessão de oportunidade de exercício do contraditório pelo réu. Precedentes citados: REsp 1.248.490-RS, Quinta Turma, DJe 21/5/2012; e Resp 1.185.542-RS, Quinta Turma, DJe de 16/5/2011. REsp 1.193.083-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/08/2013, DJe 27/8/2013.

Não é outra a linha seguida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, destaco trecho de recente decisão[1]:

-A fixação do valor reparatório, na esfera penal, poderá ocorrer somente quando houver pedido expresso, quer do representante do Ministério Público ou de eventual assistente de acusação, oportunizando-se, assim, a produção de prova em sentido contrário e, com isso, o regular exercício do contraditório, além de ser necessário existir nos autos elementos balizadores do valor do dano sofrido.
-Ausentes parâmetros mínimos para demonstrar e valorar o prejuízo suportado pelas vítimas e a reparação justa, não estão atendidos os requisitos que possibilitam a indenização material mínima prevista no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.
-É cabível o arbitramento de honorários advocatícios ao defensor dativo em razão de sua atuação nesta instância revisora.

A jurisprudência, como visto, se curva à necessidade de se estabelecer o contraditório e a ampla defesa, garantias constitucionais, para determinação da valor mínimo de indenização à vítima e/ou aos seus parentes.

Não havendo pedido expresso, nem elementos suficientes para sua determinação, não há nulidade na sentença prolatada sem a determinação desses valores.

 

O que é ação civil ex delicto?

 

A vítima, caso tenha sofrido dano passível de indenização, deverá pleitear junto ao juízo cível a devida reparação. Esta é a chamada ação civil ex delicto.

Segundo Nucci (2008), trata-se de ação ajuizada pelo ofendido, na esfera cível, para obter indenização pelo dano causado pelo crime, quando existente.

Ainda que a sentença penal condenatória não tenha determinado o valor mínimo para indenização ou tenha determinado valor insuficiente à reparação pelo dano sofrido, é possível à vítima ou seus sucessores ajuizar a competente ação civil ex delicto.

A doutrina reconhece duas formas alternativas e independentes para que a vítima busque o ressarcimento pelo dano que lhe foi causado (LIMA, 2016):

1 – Ação de execução ex delicto:

Possui fundamento no art. 63 do Código de Processo Penal (CPP).

Art. 63.  Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Ocorrerá nos casos em que o valor da indenização está previsto na sentença penal condenatória.

2 – Ação civil ex delicto:

Possui fundamento no art. 64 do Código de Processo Penal (CPP).

Art. 64.  Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.

É, na verdade, uma ação ordinária de indenização. Poderá ser movida, independentemente da fase em que se encontrar o processo criminal. Noutro rumo, também será possível nos casos em que a sentença penal condenatória não contemplar o valor mínimo para reparação.

Ex: Fulano foi condenado por tentativa de homicídio. Ele desferiu 06 facadas em Beltrano, que passou por várias cirurgias e internações hospitalares até se recuperar fisicamente. Passou ainda por tratamento psiquiátrico para se livrar do trauma sofrido. Beltrano, no período em que esteve sob cuidados médicos, deixou de exercer suas atividades como profissional liberal.

No caso hipotético, Beltrano teria direito à reparação pelos danos materiais e morais sofridos, desde que os comprovasse devidamente.

Ressalto que o juiz da ação civil, conforme art. 64 parágrafo único do CPP, poderá suspender o seu curso, para aguardar o julgamento definitivo na esfera penal. Esta medida tem a finalidade de evitar decisões conflitantes.

 

Indenização à vítima na prática

 

Saindo da teoria e adentrando ao mundo real, o que se vê é pouca efetividade às determinações do Código de Processo Penal concernentes à reparação do dano à vítima.

São vários os fatores que contribuem para esse quadro, como por exemplo, a faalta de pedido expresso na esfera penal.

Apesar do posicionamento do CNJ, conforme já aludido anteriormente, impera na jurisprudência o entendimento de que o pedido para determinação do valor indenizatório deve ser expresso, o que na maioria das vezes não é feito pelo Ministério Público.

Assim ocorre para que seja possível a ampla defesa e o contraditório.

Neste cenário, ganha fundamental importância o papel do assistente da acusação haja vista ser ele o principal interessado em municiar o juiz com elementos capazes de autorizar a quantificação da indenização que lhe é devida (LIMA, 2016).

A falta de conhecimento das vítimas e seus familiares acerca da possibilidade de reparação e até mesmo de condições para contratar advogado para elucidar essas questões, também contribuem para tornar letra morta as disposições do CPP neste sentido.

Todavia, conforme supramencionado, a omissão do Ministério Público com relação ao pedido para fixação do quantum indenizatório não constitui obstáculo à devida reparação, que poderá ser manejada no juízo cível.

Caso a vítima ou seus sucessores não possuam condições para contratação de advogado para proposição da ação civil ex delicto, a Defensoria Pública deve ser acionada para assegurar esse direito.

Nas localidades onde não há defensoria, o próprio Ministério Público, segundo o art. 68 do CPP e entendimento consolidado do STF[2], atuará na defesa dos interesses da vítima.

 

E o condenado que não possui condições?

 

Nos casos em que o condenado não possui condições financeiras para arcar com a indenização à vítima, a ação civil ex delicto acaba por não atingir o seu escopo.

Daí mostra-se bastante interessante e sensata a ideia do promotor Luciano Gomes de Queiroz Coutinho, do município de Piracicaba (SP).

Após a decisão do STF de indenização aos presos submetidos a situação degradante, a qual fiz menção no início deste artigo, o referido membro do Ministério Público, solicitou ao judiciário um levantamento de eventuais pedidos reparação manejados pelos condenados.

Conforme noticiado pelo portal de notícias G1, o promotor pretende usar a informação para tentar fazer com que aqueles presos que não pagaram demandas indenizatórias às quais também foram condenados possam finalmente quitar sua dívida com a Justiça. Segundo ele:

É fato notório que a grande maioria dos condenados pela prática de crimes não indeniza suas vítimas, nem paga integralmente as multas e prestações pecuniárias inseridas em suas condenações criminais, como deveria. Considerando que significativa parcela de autores de delitos não possui patrimônio declarado, os débitos raramente são quitados.

Estratégia louvável que possibilitaria de um lado, a indenização ao condenado que se encontra em estabelecimento que não lhe garante dignidade e por outro a devida reparação àqueles que mais sofreram com o crime, a vítima e seus familiares.

 

Considerações Finais

 

Indenizar a vítima ou seus sucessores não é apenas medida realizadora de recomposição patrimonial, vai muito além disso. Estabelece a aplicação de uma justiça completa, que pune e exige a reparação pelo dano causado.

Como visto, a reparação dos danos esbarra, principalmente, na omissão de alguns órgãos públicos e no desconhecimento da população em geral. Tais circunstâncias inviabilizam o ajuizamento das ações específicas.

Toda essa conjuntura aliada à insuficiência de políticas públicas acabam por fomentar a ideia de que a vítima é de fato uma ILUSTRE ESQUECIDA. Tomara que um dia essa triste realidade tenha seu fim.

 

Grande abraço a todos!

 

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[1] TJMG: Apelação Criminal 1.0024.15.199323-5/001 – 1993235-45.2015.8.13.0024 (1) – Des.(a) Wanderley Paiva – Publicado em 10/02/2017

[2] STF, Tribunal Pleno, RE 135.328/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 29/06/1994, DJ 20/04/2001. Em sentido semelhante: STF, 1ª Turma, RE 147.776/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19/05/1998, DJ 19/06/1998, p. 136; STJ, 4ª Turma, REsp 219.815/SP, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias – Juiz Federal convocado do TRF/1ª –, j. 11/11/2008, DJe 24/11/2008. Reconhecendo a legitimação extraordinária do Ministério Público para promover, como substituto processual, a ação de indenização ex delicto em favor do necessitado quando, embora existente no Estado, os serviços da Defensoria Pública não se mostrarem suficientes para a efetiva defesa da vítima carente: STJ, 4ª Turma, AgRg no Ag 509.967/GO, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 12/12/2005, DJ 20/03/2006 p. 276.




Adoção do nascituro

Há pouco tempo deparei-me com uma notícia* muito estranha:

“Grávida do 3º filho anuncia em rede social doação de bebê em MT Diarista disse que não tem condições financeiras de criar outro filho. Conselho Tutelar informou que irá tomar providências no caso.(…)”

No caso, a diarista fez o anúncio em um grupo dedicado à venda de produtos usados.

Situação estarrecedora, mas que acaba passando de maneira até natural aos olhos dos leitores, tendo em vista tantas outras atrocidades que cotidianamente vemos estampadas nos jornais.

A situação desta grávida me leva a trazer duas questões para o debate:

– Há a possibilidade de destituição do poder familiar sobre nascituro?

– Há a possibilidade de adoção do nascituro?

Essas minhas indagações me ocorrem em vista do fato noticiado. Uma mãe que trata o filho concebido como se fosse coisa, passível de ser objeto da prestação de um contrato de doação, talvez não tenha, de fato, condições de assumir o poder familiar.

É lógico que esta doação imaginada pela mãe não possui fundamento jurídico, já que, a única hipótese para a definitiva entrega de uma criança a família, que não a biológica, seria através do instituto da adoção.

E nesse ponto, gostaria de tecer alguns comentário:

A adoção é instituto regulado pelo Código Civil Brasileiro e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo fundamento primordial é o “melhor interesse da criança”. A adoção visa propiciar ao infante a convivência em um lar com o mínimo de estrutura para seu pleno e saudável desenvolvimento físico e mental.

O procedimento para adoção é complexo e envolve diversas fases reguladas por lei, inclusive um estágio de convivência em que a nova família e o adotando, com o acompanhamento psicossocial de equipe especializada, permanecerão por um período juntos, com o objetivo de estreitar laços e verificar a viabilidade daquela adoção.

Nesta seara, muitas pontos controvertidos já foram levantados pela doutrina e pela jurisprudência, como, por exemplo:

– A adoção por casais homoafetivos (casais formados por pessoas do mesmo sexo). Questão pacificada por boa parte da doutrina e jurisprudência que atestam pela possibilidade, visando sempre o bem estar da criança e adolescente;

– A adoção à brasileira – caso em que determinada pessoa simplesmente declara ao registrar a criança ser pai ou mãe, mesmo sabendo não ser. Tal situação fica no anonimato e em muitos casos nunca chega a ser descoberto, apesar de constituir crime.

Há muitas outras situações que envolvem a adoção, mas gostaria de dar enfoque às posições doutrinárias quanto à adoção do nascituro.

Inicialmente, é de bom tom destacar que nascituro é aquele que tem vida intra-uterina, já foi concebido, mas ainda não nasceu.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvaldo (2012, pág. 1047), apresenta de forma bastante lúcida duas posições acerca da adoção do nascituro:

Posição defendida por Silmara Juny A. Chinelato e Almeida:

“Professa a possibilidade de adoção de nascituro ao argumento de que o ordenamento jurídico reconhece a tutela jurídica dos seus interesses. Enfatiza que, a partir da leitura do texto legal, conferindo proteção aos direitos do nascituro, não se pode negar a possibilidade, afinal, “quem afirma direitos e obrigações afirma personalidade, sendo a capacidade de direito e o status atributos da personalidade””

Posição defendida por Maria Berenice Dias

“defende a impossibilidade de adoção do nascituro, afirmando ser necessário para a adoção o cumprimento de um estágio de convivência entre o adotante e o adotado, o que se revela “incompatível em relação a um ser enclausurado no corpo feminino”

Ambos os posicionamentos doutrinários possuem sólidos fundamentos jurídicos, entretanto, na minha singela análise, a conclusão de Silmara Chinelato é aquela que melhor se adequa ao princípio do melhor interesse da criança.

Afinal, quantas mães passam o período de gestação em meio às drogas ou o álcool, muitas vezes vivendo na rua, ou mesmo já têm o poder familiar de outros filhos destituídos por força de medida judicial.

A criança, após o seu nascimento, poderá ser levada a abrigo junto com outras e somente depois de um longo processo poderá ser adotada por alguma família. Será que é necessário aguardar tanto?

Lógico que essa é uma questão bastante polêmica e aberta a várias interpretações.

Corroborando esse entendimento, Flávio Tartuce (2014):

“Além disso, consigne-se que é possível o reconhecimento do nascituro como filho, conforme preceitua especificamente o art. 1.609, parágrafo único, do CC/2002. Ora, se é possível reconhecê-lo como filho, porque não seria possível adotá-lo? Entendo que haveria um contrassenso se a resposta fosse pela impossibilidade de adoção”

A discussão em torno desse tema, certamente não se esgota em um ou outro posicionamento aqui demonstrado.

Grande abraço a todos!

 

 

*Notícia disponível em: http://g1.globo .com/mato-grosso/noticia/2015/03/gravida-do-3-filho-anuncia-em-rede-social-doacao-de-bebe-em-mt.html